13/12/2007

Virgem mãe


Limonium sinuatum

A lavanda-do-mar tem algo a acrescentar sobre o polémico dogma cristão que algumas religiões celebram neste mês, e por isso regressa hoje ao palco. A maioria das cerca de 300 espécies do género Limonium são capazes de criar sementes sem terem sido fertilizadas. As sementes só contêm informação genética da mãe, o que é desvantajoso num mundo competitivo que privilegia a diversidade, mas o processo pode também estabilizar características individuais interessantes. Este método é distinto da clonagem, em que o descendente é exactamente igual à mãe; por apomixia nascem indivíduos cuja diferença genética é determinada pelo material contido nos óvulos da mãe, mas não são necessariamente gémeos ou idênticos ao progenitor.

A reprodução assexuada com intervenção apenas feminina é frequente nas famílias Rosaceae e Asteraceae (por exemplo, a amoreira silvestre e o dente-de-leão são apomíticos). Neste capítulo, a novidade do século é a descoberta de plantas, como o cipreste do deserto Saara (Cupressus dupreziana), que produzem sementes exclusivamente do pólen, isto é, da componente masculina da planta que lhes serve de colo.

A versão animal da maternidade assexuada é o nascimento de crias só com a intervenção genética de uma mãe-virgem: é a chamada partenogénese, que difere do hermafroditismo por não haver autofecundação. Eliminada a angústia da falta de varões, é contudo honesto referir que o triunfo é relativo: nas espécies em que o género é determinado por um par de cromossomas, este tipo de reprodução produz uma população monogénica, com baixa potencialidade para gerar variações genéticas e por isso, em princípio, com menor probabilidade de perdurar. Por exemplo, entre as abelhas domesticadas, a rainha é a única da colmeia que é fértil; se ela morre, as abelhas-mestras podem pôr ovos mas, como não acasalam, são mães-virgens de machos - que recusam sobranceiramente fertilizar uma abelha operária. Resultado: em pouco tempo, os trabalhadores desta colmeia extinguem-se e só restam zangões.

Mas há animais que podem alternar a reprodução sexuada com a partenogénese, o que lhes permite aumentar a biodiversidade e sobreviver ao problema ocasional da ausência de pais. São óbvios os benefícios, e o poder, deste esquema de procriação, por isso não nos surpreende que estes monólogos reprodutivos tenham sido incorporados em culturas, mitologias e religiões. A capacidade de certas divindades conceberem sem pecado é, afinal, uma virtude terrena.

4 comentários :

Anónimo disse...

Mais um daqueles posts surpreendentes! Não só o que aprendemos de novo, mas como o aprendemos. Genial a ligação terra-olimpo! Parabéns. Sinceros.

Maria Carvalho disse...

Obrigada, António, por nos visitar tão amiúde, e por ser assim gentil.

Anónimo disse...

Eu ia fazer um comentário sobre o post de hoje quando me lembrei que os meus poucos comentários anteriores foram para pôr reservas em relação ao conteúdo de algum post. Por isso acho que devo dizer que sou , com muito agrado, vosso visitante diário diria mesmo viciado se não dependente.
Passo por aqui todos os dias que mais não seja pelo menos para lavar a vista.
Muito obrigado.
Duarte Marques

António disse...

Parabéns pela nomeação para O Melhor Blog Português - 2007, na categoria
“Animais / Natureza / Ambiente”