14/12/2007

Paixão sem espinhos


Passiflora molissima

Os missionários seiscentistas na América Tropical ficaram tão maravilhados com a flor desta trepadeira que se viram compelidos a interpretá-la como uma mensagem divina: terá sido nela, argumentaram, que Jesus Cristo quis simbolizar o episódio culminante da sua passagem terrena; por isso não puderam senão chamar-lhe flor-da-Paixão (Passiflora em Latim). Nesta extraordinária flor, como escreveu a Maria, «os estaminóides associam-se à coroa de espinhos; os 5 estames às cinco chagas; os 3 estigmas claviformes aos três pregos; e as 10 pétalas aos apóstolos, com excepção dos traidores Judas e Pedro». As fotos que ilustram esse escrito (e estas outras aqui) correspondem melhor a tal descrição do que a Passiflora de hoje, em que a coroa de estaminóides se reduz a um estreito anel. Mas talvez por algum evangelho apócrifo ainda inédito se venha um dia a saber que, em vez de uma coroa de espinhos, Cristo crucificado tinha um simples pano atado em volta da cabeça.

Calcula-se que, não contando com os inúmeros híbridos ornamentais, existam cerca de 500 espécies de Passiflora, e pelo menos 60 delas produzam frutos comestíveis, desde o vulgar maracujá roxo (P. edulis) à granadilha (P. ligularis) que começa a ver-se nas nossas frutarias; mas são ainda poucas as espécies frutíferas consumidas fora do seu local de origem. A P. mollissima, conhecida como maracujá-banana em virtude da forma do fruto, amarelo quando maduro, é uma das espécies comestíveis mais populares: originária dos Andes, desde o norte do Chile à Venezuela, é mais rústica que outras passifloras e suporta muito bem os invernos em climas temperados. Foi incluída, com outras suas congéneres andinas, no subgénero Tacsonia do género Passiflora, caracterizado pelas flores tubulares pendentes, adaptadas à polinização por colibris.

O maracujá-banana faz parte de um clube de má fama: o das plantas invasoras globais, que se espalharam descontroladamente por várias regiões do mundo, subtraindo espaço vital às plantas nativas. Foi declarado como praga no Havai (onde é tido como culpado pela quase extinção de três espécies indígenas), na Nova Zelândia e na África do Sul; nestes três países há programas com vista à sua erradicação. Na floresta de laurissilva da Madeira ele é também um invasor sério, mas não nos consta que lá se tenha procurado combater a sua disseminação.

P.S. Como se lê no comentário aqui deixado por Graça Mateus, a última frase do texto carece (felizmente) de correcção.

2 comentários :

graça mateus disse...

Parabens e muito Obrigado pelo Vosso trabalho que faz parte dum minuto de todas as minhas manhãs.
Quanto ao maracujá banana, na Madeira está a ser combatido pelo Parque Natural da Madeira, num projecto de combate a plantas invasoras da Laurissilva. Neste projecto colaboram o Exército, algumas Juntas de Freguesia e os Centros de Apoio Ocupacional.

Paulo Araújo disse...

Muito obrigado pelo seu comentário. Já acrescentei o devido reparo ao texto.