19/03/2008

Petição pelo regresso dos goivos


Metrosideros excelsa - avenida de Montevideu, Porto

Até 2001 havia flores e canteiros à sombra destes metrosíderos; havia o som e o cheiro do mar que uma sebe ocultava; havia uma fonte circular jorrando água por muitas bicas. Mantêm-se as árvores e o mar, agora à vista de todos pelo derrube da sebe, mas de resto tudo se foi. A fonte, em estado de ruína, já não sabe fazer cantar a água.

Sob os metrosíderos, em vez de flores, espalharam tapetes de conchas: escuras, frágeis, todas iguais, nem aos coleccionadores poderiam interessar. Tê-las-ão trazido como oferenda, já que as árvores não podiam descer à praia para recolhê-las? Teriam função decorativa? Ou, quem sabe, talvez desse modo se fornecesse às árvores a dose diária de cálcio recomendada pela UE e pela indústria de laticínios. Isto admitindo que as conchas têm cálcio na sua composição (palpita-me que sim) e que as árvores, como as crianças e os idosos, precisam dele para fortalecer os ossos. Ainda assim, custa-me imaginar o mesmo arquitecto que as quis abater no papel da figura maternal que lhes leva à boca (ou à raiz) a colher de iogurte.


Erysimum cheiri (goivos)

As flores têm feito um tímido regresso: nesses tanques secos, geométricos, vão surgindo Gazanias e Lampranthus; mas, apesar de vistosas, essas são flores burocráticas, que em cada dia não trabalham mais do que xis horas, não chegando sequer a abrir o expediente em dias foscos. Pior do que tudo, não deitam cheiro que possa temperar a maresia. Por isso é imperativo o regresso dos goivos que até 2001 perfumavam a avenida de Montevideu, logo antes do Castelo do Queijo. E há outra razão de peso que tem a ver com a defesa e preservação da língua de Camões: como podemos desprezar uma flor com um nome tão eufónico como goivo? Nenhum outro idioma lhe reservou palavra tão bonita: os franceses chamam-lhe giroflée, os ingleses wallflower, e os alemães sabe-se lá o quê. É certo que já falámos várias vezes de goivinhos, mas o diminutivo perde ressonância e poder evocativo se não conhecermos os goivos genuínos. Seria como lembrarmo-nos apenas do santinho dos espirros, tendo esquecido o que é um santo devidamente canonizado: em vez do mártir ou asceta de vida heróica e pose arrebatada, só nos viria à lembrança um sujeito de nariz pinguço, sempre a puxar do lenço.

8 comentários :

Paulo disse...

Diz bem. Os alemães sabe-se lá o que chamaram aos goivos, que tanta falta vão fazer nessa monotonia verde.


E espero que os da Torreira não venham ao dias com árvores e vejam que há por lá umas ilhas de silenes. Ainda podem sair daqui com maus pensamentos, e isso não é bom na semana santa.

gintoino disse...

Efectivamente, faz falta um pouco de cor até q os metrosideros comecem a florir. Excelente texto! saio sempre daqui com aquela sensação de inveja (da boa ;-)), do "quem dera conseguisse escrever assim". Se alguma vez me lembraria de chamar burocráticas à gazanias?! Gostei!

Paulo Araújo disse...

Obrigado pelos comentários. Tenho reparado que os metrosíderos da Av. Montevideu nunca florescem todos ao mesmo tempo: em vez de funcionarem como orquestra, toca cada um para o seu lado; o que, apesar de prolongar o espectáculo, não o deixa atingir a força de um clímax.

Tiagojcs disse...

Excelente texto !

Urge ser feita essa e outras medidas na nossa cidade

Anónimo disse...

Caro Paulo
A sua alusão a uma espécie de fertilização do solo com conchas para, prover de cálcio, a dose diária recomendada pela "UE e industria de lacticínios" e pelo seu trabalho em prole das plantas recomendo-lhe que veja outros tipos de conchas mas conchas a alimentar eucaliptos e cedros, em (http://ferroada.blogspot.com/2008/03/floresta-do-futuro-cartografado-3-passo.html).
Um abraço e obrigado pelas fotos e descrições das mesmas
Carlos Rebola

Anónimo disse...

E...nada está como dantes.As árvores ficaram sós mas continuam a florir.Grande lição de amor.Eu espero todos os anos as suas flores vermelhas e elas esperam os nossos olhares deslumbrados.


Taço

Anónimo disse...

excelente texto - moro perto e olhar para o que está até doi...
Cpts.

Anónimo disse...

22 abril 2008

TÊM TODA A RAZÃO.....
NÃO SOU DO PORTO ,MAS A FAVOR DO REGRESSO DOS GOIVOS,OS NOSSOS JOVENS ARQUITECTOS PAISAGISTAS DEVEM ACHAR QUE OS GOIVOS SÃO FLORES DE VELHA....OS ESPANHOIS NÃO TÊM COMPLEXOS DESSES...(O JARDIM DE ALCAZAR DOS REYES EM CORDOBA)É VÊ-LOS E CHEIRÁ-LOS ,MANCHAS DE GOIVOS....JÁ AGORA O NOME EM ALEMÃO É,GOLDKUPPCHEN,GOLDLACK,LACKBLUMEN,ENTRE OUTROS....E VIVA O CHEIRINHO DOS GOIVOS,BOA SORTE ,E PORQUE NÃO ATIRAR UMAS SEMENTINHAS ESTÁ NA ALTURA CERTA......