Estrela com escamas
As estrelas caídas gozam de elevada reputação no reino vegetal. Afinal são elas, as plantas do género Aster (palavra latina que significa estrela), que dão nome à maior família botânica à face da Terra, composta por quase 23.000 espécies. São, por assim dizer, generais de um magno exército — ou, para quem não goste de comparações bélicas, líderes de uma grande e pacífica irmandade. E ao prestígio do comando juntam o lustro da beleza, como exemplifica o Aster tripolium do nosso litoral. A mesma garbosidade, já um pouco tingida de afectação, é patente em plantas cultivadas como este Aster amellus.
Vem a propósito comentar as declarações botânico-chauvinistas do americano Donald C. Peattie (1898-1964) transcritas pela nossa vizinha. Mesmo não atendendo à sua substância, há duas ideias profundamente erradas na frase «Europe has no asters at which an American would look twice». A primeira é a aplicação do conceito de nacionalidade às plantas. Dizer que uma planta é americana ou europeia é fornecer uma simples indicação geográfica, e é bem diferente de dizer que certa pessoa é americana ou europeia. As plantas não juram pela constituição americana nem defendem a unidade europeia. Não são patriotas, não sabem o que é um país, não respeitam fronteiras. Tudo isso são convenções para uso estrito da espécie humana. Do mesmo modo, valorar as plantas pelos nossos voláteis e subjectivos conceitos de beleza é por certo desculpável num jardineiro, mas não em alguém que se afirmou como naturalista. As flores não existem para nos agradar, e a sua importância na natureza não deve ser medida por padrões estéticos. E há os pormenores subtis que só se apreendem quando se educou o olhar, e que são uma forma menos imediata de beleza. Por que há-de um feto ser menos do que uma orquídea? Ou, retomando a sentença de Peattie, por que há-de um Aster «europeu», só porque não é tão vistoso, ser menos do que um Aster «americano»?
Entende-se, portanto, que seria um despropósito embarcarmos na defesa das plantas europeias face às americanas. Sabendo, aliás, que na América há centenas de espécies de Aster, e que na Europa elas não chegarão às duas dezenas, compreendemos que não seja necessário a um americano atravessar o Atlântico para ver estas plantas no seu habitat. Porém, se cá vier, não perderá nada em olhar para elas.
Acontece que o Aster de hoje — o qual, se não fosse a doutrina que preventivamente expusémos, desdenharíamos como pouco gracioso — não é nativo da Europa, embora por cá abunde em terrenos ruderais ou salgados. De facto, a sua presença em sapais (estuários do Cávado e do Douro, ria de Aveiro) começa a ser suficientemente notória para ele merecer o estatuto de invasor indesejável. Indesejável não por ser «feio» (também não será de uma beleza cativante, pese embora a sua origem americana), mas por tirar espaço às plantas autóctones.
Proveninente da América Central e do Sul, o Aster squamatus é uma planta anual ou bienal, glabra, com folhas lanceoladas, hastes erectas que podem atingir um metro de altura, e capítulos florais de 6 a 8 mm de diâmetro. O exemplar acima, com uma floração um pouco fora de época (ela vai em regra de Agosto a Janeiro, as fotos são de Fevereiro), morava clandestinamente no Jardim Botânico do Porto.
2 comentários :
Brilhante, como sempre.
Plenamente de acordo com o conteúdo do texto deste post e sobretudo no que toca à subjectividade acerca conceito de beleza...
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