Dos carvalhos às oliveiras
Ao contrário do que é corrente na indústria imobiliária, em que as habitações novas ficam logo prontas a receber moradores, as árvores levam muitos anos até serem usadas como habitação. Não de gente, claro está, mas de pássaros, insectos e plantas. Não é sinal de decrepitude que uma árvore, além da folhagem que lhe é própria, se recubra de fetos e de líquenes. Quando, nas interacções que estabelece com outras vidas, a árvore se assume como ecossistema em miniatura, é porque atingiu a maturidade. A cabeleira postiça é a coroa de uma existência plenamente realizada.
Qualquer feto que cresça nas árvores é bonito, mas há uns que são mais bonitos do que outros. Sem desprimor para o rústico Polypodium, quase monopolista no negócio de vestir árvores maduras, a Davallia canariensis, operando no mesmo ramo de actividade mas a bem menor escala, é um feto muito mais delicado e fotogénico. Pelo recorte e simetria, as suas frondes fazem lembrar os minuciosos naperons de renda com que as nossas avós enfeitavam cómodas e cristaleiras.
Conhecida como cabrinha ou feto-dos-carvalhos, a Davallia canariensis, espontânea na Península Ibérica, Marrocos, Canárias e Madeira, é, entre as mais de trinta espécies suas congéneres, a única que ocorre na Europa, distribuindo-se as restantes pela África, Ásia e Austrália. Em Portugal, a cabrinha encontra-se, como epífita ou por vezes agarrada às rochas, em lugares frescos nas províncias litorais a norte do Tejo, com um improvável salto ao Baixo Alentejo. É comum na serra de Sintra e no Alto Minho, mas nas outras paragens faz-se bastante arredia.
A sua presença na serra dos Candeeiros é residual e tem algumas particularidades. Enquanto que em Sintra e no Minho ela prefere morar em carvalhos ou sobreiros, aqui escolheu instalar-se sobre algumas velhas oliveiras, ainda que também frequente dois ou três carvalhos-cerquinhos nas proximidades. Apesar do vigor que exibe, é uma população vulnerável, que desaparecerá de um dia para o outro se alguém mandar abaixo meia dúzia de árvores. Em toda a serra dos Candeeiros talvez não exista outro núcleo de Davallia.
Já fizemos muitas caminhadas pela serra, mas não é a nós que cabe o mérito desta descoberta. Cabe a Francisco Barros, um dos mais activos participantes no BiodDiversity4All. Trata-se de um portal onde cada um pode registar as observações (de pássaros, insectos, plantas, etc.) que vai fazendo nos seus passeios; e é, em suma, uma ferramenta utilíssima para conhecermos melhor o nosso país e para democratizar o gosto pela natureza.
9 comentários :
Lindíssimo feto que já vi por exemplo perto de Esposende no Monte de S. Lourenço. Será que é possível tê-lo em vasos? Nunca vi, mas adorava ter um!
Sim, este feto é cultivado em vasos, e costuma ser comercializado. Em Inglaterra e noutros países onde ele não é espontâneo seria fácil comprá-lo; em Portugal já não sei, mas talvez o encontre nalgum dos grandes hortos.
Finalmente uma planta saloia como eu! Lindo feto e ainda por cima é especial porque é meu conterrâneo... :)))
Obrigado pelas dicas e pelo site. Não vou perder.
Bom resto de semana
Luz
É realmente uma espécie vulnerável, com uma distribuição restrita à faixa ocidental a norte do Tejo, onde se contam pequenas populações epifíticas em troncos de algumas folhosas ou aparecendo sobre rochas musgosas, como eu vi na Mata do Buçaco. É sem dúvida um feto lindíssimo....
Também já o encontrei na Serra do Arestal, no concelho de Vale de Cambra, na vertente exposta ao ar Atlântico. Não sei o que terá acontecido a essa pequena colónia depois dos incêndios nos ultimos anos...
Paulo: está confirmado! Encontrei cabrinhas em Vale de Cambra. Yes!!!
A descoberta foi, tal como previa, naquele "vale mágico" das cervinas. Há colónias epifíticas sobre carvalhos e salgueiros. Também ocorrem sobre rochas metamórficas muito ricas em quartzo, que se destacam em relevos de erosão diferencial.
Com o período de seca deste ano, as folhas estão a adquirir o aspeto com que ficam no Verão. Uma curiosidade: a esmagadora maioria são estéreis!
Grande descoberta, Rui. O "vale das cervinas" fica ainda mais mágico com a presença das cabrinhas; a mim encantou-me o modo como os plátanos certamente lá plantados ajudam a formar um bosque que parece inteiramente natural. (Ainda sobre cabrinhas: temos andado pelo Minho e temos visto alguns bons núcleos; a maior população que encontrámos foi no vale do Trovela, num fabuloso carvalhal na margem direita do rio. Curiosamente, a quadrícula correspondente não foi assinalada por Franco & Rocha Afonso.)
Paulo, pelo que vi as plantas crescem no vale numa estreita faixa de bosque autóctone. Fica aqui a minha publicação no Blogger:
http://ruisoares65.blogspot.pt/2012/04/cabrinhas-em-vale-de-cambra.html.
Isto vai muito mais tarde, mas só agora dei com o sítio; e como vi que havia pessoas interessadas na hipótese de cultivarem cabrinhas, posso dizer da minha experiência: em Outubro de 2011 vi uma cabrinha agarrada a um pedaço de tronco que tinha sido cortado após a queda da árvore e decidi trazê-la para casa; meti-a num paludário e, neste momento, tem três folhas nascidas cá em casa. Em Abril deste ano dei com um caso semelhante (por causa do temporal de Fevereiro em Sintra), mas o feto era maior e o caule partiu-se em dois: estão a nascer as duas primeiras folhas novas, uma em cada «novo» caule.
Estão todos em cima de pedaços de cortiça que tinha comprado para decoração de aquários, o mais antigo preso com fio de nylon e os outros simplesmente pousados (mas já bem agarrados à cortiça).
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