03/02/2011

Troca de estações



Euphorbia hyberna L.

É consolador verificar como certos equívocos ficam gravados em latim para a posteridade. Sabendo que Lineu e outros grandes cometeram não poucos lapsos, a nossa própria inépcia parece-nos não só inevitável como respeitosa e apropriada. Se os maiores tantas vezes falharam, seria de uma presunção intolerável arrogarmo-nos de infalíveis.

O epíteto hyberna que Lineu colou a esta eufórbia diz-nos que ela é de floração invernal. É sabido, porém, que a planta floresce de Abril a Junho, com um possível prolongamento até Julho (mês em que as fotos foram tiradas). Lineu publicou o seu Species Plantarum em meados do século XVIII; de então para cá, com a subida geral das temperaturas, é improvável que o calendário fenológico tenha sido retardado. Não há pois volta a dar-lhe: Lineu enganou-se ou foi enganado. Mesmo que ele (ao contrário de alguns dos seus sucessores) estivesse aberto a críticas e disposto a corrigir-se, as regras da taxonomia impunham (e ainda impõem) que o primeiro nome publicado de uma dada espécie tenha prioridade sobre todos os outros. A eufórbia-de-Inverno-que-floresce-na-Primavera ficou para sempre amarrada ao nome que Lineu lhe entendeu dar.

A Euphorbia hyberna é uma planta vivaz, com caules de uns 60 a 70 cm de altura, robustos, erectos e sem ramificações, e folhas sésseis de 7 a 10 cm de comprimento, glabras na face superior e algo penugentas no verso. Como todas as eufórbias, cada uma das suas inflorescências é composta por uma única flor feminina rodeada por numerosas flores masculinas reduzidas a estames; o conjunto, que se chama ciátio, fica alojado num cálice formado por duas ou mais brácteas. De cada ciátio podem emergir vários raios sustentando novos ciátios, num arranjo de bifurcações sucessivas a que os botânicos chamam pseudo-umbela (ver aqui e aqui). O que há de estranho nas plantas fotografadas é que essas bifurcações estejam ausentes, contentando-se cada uma delas em produzir um só ciátio. Sem ser um fenómeno inédito, o mais comum é que a Euphorbia hyberna exiba pseudo-umbelas semelhantes às das suas congéneres.

A Euphorbia hyberna, que prefere lugares húmidos ou sombrios acima dos 900 m de altitude, encontra-se distribuída por meia dúzia de países europeus: Irlanda, Grã-Bretanha, França (incluindo a Córsega), Espanha, Portugal e Itália (incluindo a Sardenha). Em Portugal aparece em Trás-os-Montes (serras do Gerês e da Nogueira) e na Beira Baixa (serra da Estrela). As populações geresianas são escassas e surgem nos confins orientais da serra, em vales de montanha sombreados por vidoeiros ou carvalhos-negrais.

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