10/02/2011

Antes que chegue a Primavera

Erica erigena R. Ross


As urzes fazem parte daquela matéria vegetal indiferenciada mas perigosamente inflamável a que alguns chamam biomassa. Ao se amalgamar toda a riqueza do mundo vegetal num único substantivo de conotação claramente desdenhosa ocasionam-se atitudes como a daquele responsável militar que mandou cortar muitos hectares de pinhal em São Jacinto. Alegou ele que a operação mais não foi que uma limpeza rotineira da biomassa em excesso. De facto, a biomassa não tardará a recuperar, mas, em vez de ser composta por pinheiros, salgueiros e camarinhas, sê-lo-á exclusivamente por acácias. Para o general em guerra contra a natureza não fará qualquer diferença.

Os montes hoje em dia forrados a tojo e urze tiveram, noutras eras, uma cobertura arbórea que a ocupação humana reduziu a quase nada. Esses matos representam a primeira etapa do processo de regeneração natural; se cessarem a pastorícia com as suas queimadas periódicas, se regredirem todas as actividades humanas que intervêm activamente na paisagem, então as árvores regressarão pouco a pouco aos montes de onde foram expulsas. Como isso não acontecerá tão cedo, a vegetação pioneira acaba por assumir carácter permanente. No entanto, é já possível em certas zonas do interior do país testemunhar essa sucessão ecológica com o avanço progressivo dos bosques de carvalho-negral. Talvez seja consolador saber que, quando nós desaparecermos, desaparecerão também as urzes dos montes.

Só que há urzes e urzes. Pelo porte avantajado (até 2 metros de altura) e pela coloração rosada das flores, a Erica erigena até se poderia confundir com a Erica australis. Acontece que as duas dificilmente se encontram lado a lado em ambiente natural: a E. australis coloniza encostas secas de norte a sul do país; a E. erigena, por contraste, carece de humidade quase permanente no solo, e em Portugal, onde se encontra só no litoral centro e numa pequena faixa entre o Alentejo e o Algarve, está restrita a margens de lagos e de cursos de água a baixa altitude. As plantas que fotografámos, e que vivem junto à lagoa da Vela, em Quiaios, são bem exemplificativas dessa preferência.

O habitat é pois um indicador importante quando se trata de identificar urzes. Convém, no entanto, realçar alguns detalhes morfológicos. As folhas da Erica erigena, que se agrupam em verticilos de quatro, têm as margens dobradas de tal modo que só deixam entrever uma estreita faixa da face inferior. E as flores, com cerca de 7 mm de comprimento, são também especiais: o cálice é formado por quatro sépalas rosadas, pontiagudas, e as anteras são escuras, emergindo timidamente do tubo da corola. Talvez seja proveitoso ao leitor comparar estas flores com as de outras urzes já aqui antes mostradas.

Refira-se, a concluir, que a Erica erigena, espontânea na Península Ibérica, França e Irlanda (erigena significa "irlandesa"), é quase sósia da Erica carnea, uma urze alpina e centro-europeia que não ocorre em Portugal nem em Espanha, mas que é por vezes vendida em centros de jardinagem. As duas urzes têm boas qualidades ornamentais e partilham a virtude de florir no Inverno.

2 comentários :

Virginia disse...

Tenho um pedacinho de urze no meu canteiro da varanda. Dá a impressão de estar a morrer, mas tenho esperança de que com a Primavera se anime. Comprei-a num vaso e transplantei-a para terra, não sei se fiz bem.....gosto muito de a ver nos montes, assim como a alfazema....

Gambuzina disse...

Adorei as fotos das urzes que já pintam os nossos campos!!!