28/02/2011

Bloomsbury

Woburn Square
Bury é palavra do inglês antigo que designa fortificação ou castelo; corresponde ao borough do inglês moderno, numa evolução que atesta como modernizar pode não ser simplificar. Da mesma raiz latina nasceu o burgo português. Chegamos assim a uma possível explicação do topónimo que dá título a este texto: Bloomsbury seria Burgo das Flores ou talvez Burgo em Flor. O inglês é porém uma língua traiçoeira que tem fraco comércio com a lógica: aquele bloom não resultou de nenhuma flor, mas sim (de acordo com a Wikipedia) do desgaste a que o uso dos séculos submeteu o antropónimo Blemond.

Sucede no entanto que a interpretação florida do nome Bloomsbury, mesmo tendo por base um equívoco fonético, acaba por ter uma contrapartida bem real. Bloomsbury é o bairro de Londres onde as praças ajardinadas são de acesso livre, e não — como sucede em Chelsea, South Kensington, Belgravia e em inúmeros outros bairros da capital britânica — restrito aos privilegiados moradores dos respectivos quarteirões. É pois um lugar aberto em que os jardins são franqueados a toda a gente: trabalhadores locais no intervalo do almoço, estudantes do vizinho University College, indígenas desocupados, a massa heterogénea e sempre renovada de turistas. A informalidade é regra quase compulsiva: nos dias de Verão são muitos mais os que se estendem na relva do que aqueles que se acomodam num banco de jardim.

Esse anti-elitismo de Bloomsbury vem de longe. Aprendemos com os romances vitorianos que morar em Bloomsbury, no século XIX, não era propriamente um sinal de distinção, apesar da imponência marcante do Museu Britânico. Podiam viver no bairro pequenos proprietários ou profissionais medianamente bem sucedidos, à mistura com uns tantos intelectuais, mas a aristocracia, tanto a de sangue como a financeira, nunca escolheria lá morar. Em Bloomsbury trabalhava-se e estudava-se; os lugares da diversão requintada, com a épica saison estival de bailes e jantares de gala, eram bem outros.

Além de ter registado para a posteridade como era a Bloomsbury novecentista, a literatura ajudou à transformação do lugar ao dar-lhe uma imorredoura aura cultural. O famoso grupo de Bloomsbury que gravitou à volta de Virginia Woolf reunia-se nas casas que rodeiam os mesmos jardins que hoje podemos visitar. Muitos desses edifícios foram desde então ocupados pela Universidade de Londres; Gordon Square e Woburn Square (foto acima), talvez as mais bonitas e pacatas praças de quantas existem no bairro, frequentadas que foram por Virginia e pelo seu marido Leonard, são também hoje património universitário.

Talvez nada haja de espectacular nos jardins que preenchem essas praças. O que há é uma normalidade quotidiana que preza a sombra das árvores e faz do sossego e do bom gosto uma componente essencial da vida urbana. Nesses jardins há sempre flores, e não apenas em arranjos formais: alguns recantos (especialmente em Gordon Square) parecem retalhos de natureza que escaparam incólumes ao cerco da cidade.

Antes de avançarmos pela Primavera dentro, fazemos uma pausa citadina: as flores e árvores que esta semana nos visitam vêm todas das praças de Bloomsbury. Para começar temos plátanos, uma ameixeira-de-jardim, arbustos diversos, e Gandhi em Tavistock Square rodeado por tulipas.


8 comentários :

James disse...

Lindissimo, gostaria um dia de visitar londres e os seus jardins...e ate estas praças que desconhecia. Vivo em Colónia na Alemanha e por cá tembém existem arvores e pequenos jardins por todo o lado. Não ha rua que não tenha a sua alameda de árvores. Para alem disso existem muitos parques, muito grandes e uma cintura verde que ladeia toda a cidade interior. É certo que temos um clima diferente, mas porque será que temos tão poucas arvores nas nossas cidades e os Jardins estão tão mal cuidados? Ninguem sabe...

Paulo Araújo disse...

Suponho que algures durante o século XIX nasceu em Portugal um interesse genuíno pela jardinagem, sustentado pelos jardins privados de gente rica. Foi nessa mesma época, e até meados do século XX, que surgiram a maioria dos jardins públicos que hoje enfeitam as nossas cidades. Depois disso, o interesse privado esmoreceu com o desaparecimento ou abandono das grandes casas e das quintas de recreio. E o interesse público, que nunca foi grande, ficou reduzido a zero (ou pouco mais, se contarmos excepções como Ponte de Lima). Hoje em dia, o que há são espaços verdes com algumas raras grandes árvores que têm escapado às podas drásticas. Mesmo em lugares em geral aprazíveis (como por exemplo o Palácio de Cristal, no Porto) não existe de facto nada que se pareça com jardinagem.

Quanto aos parques urbanos que têm aparecido em Portugal nas últimas duas décadas, confesso a minha geral falta de entusiasmo por eles. É bom que existam, mas são muito artificiais, muito desenhados, e têm pouco de natureza. Também não são jardins. Enfim, se as árvores puderem crescer já não é mau.

José Meireles Graça disse...

Plátanos e ameixoeiras com folhas, em Londres, nesta altura do ano? Mau, no meu quintal, em Guimarães, os plátanos estão nus. E as ameixoeiras estão em flor, mas de folhas nada.

Paulo Araújo disse...

As fotos são de Maio do ano passado. Nesta altura as mesmas árvores estão certamente despidas, mas não tenho fotos que o mostrem. É porém verdade que, mesmo no Inverno, os jardins ingleses nunca deixam de ser floridos.

horticasa disse...

Que saudades me deu.
Há já dois anos que fui a londres e fiquei hospedada neste hotel, da janela do quarto via-se este jardim, com a estatua do Guandi, em frente estava em obras um grande edificio para recidencias de estudantes, já está pronto?? Então a zona deve estar muito mais bonita.
Essa zona é fantastica...
bj eugénia

Quinta das Mogas disse...

Fui sempre a correr a Londres, nunca usufrui dos jardins como vocês.
Pelo Porto entristece-me os jardins arquitectados como o da Cordoaria e deixam-me feliz pequenos espaços com o aroma do largo da Igreja de Santa Clara perto da Sé.

bettips disse...

Os jardins de Londres, mesmo aqueles que são exclusivos dos prédios à volta, dão um sossego e um encanto a essa cidade... E as histórias à volta deles, como esta do grupo de Bloomsbury, de que sabia o nome mas nunca tinha feito a ligação ao lugar!
Abçs

Beth Bucker disse...

Não há jardins mais lindos do que os de Londres,adoro o estilo inglês de ser colorido e natural, Beth