Erva-loira na estrada descendente
Senecio pyrenaicus subsp. caespitosus (Brot.) Franco
![](https://s5.postimg.cc/g4k9rohif/Senecio-pyrenaicus-caespitosus-04.jpg)
![](https://s5.postimg.cc/cfzmpbdt3/Senecio-pyrenaicus-caespitosus-05.jpg)
Sem que nada façam para merecer tal tratamento, as plantas também podem cair em desgraça. Um endemismo de uma área restrita como a Serra da Estrela tem direito a ser citado em relatórios, a ser celebrado em resumos de maravilhas para turista ler, a ilustrar com a sua foto brochuras e folhetos de promoção. Mas depois os botânicos, sempre insatisfeitos com o status quo, mudam de opinião e decidem que tal endemismo afinal não o é, pois ocorre em vários outros lugares ou países. Atendendo a algumas subtis diferenças, quando muito tratar-se-á de uma subespécie endémica. Vendo melhor, as diferenças estão dentro do intervalo normal de variação da espécie, e por isso nem sequer configuram uma variedade, quanto mais uma subespécie. E assim, de degrau em degrau, vê-se o endemismo apeado do trono e condenado à inexistência. A planta em si continua a existir, não perdeu beleza nem utilidade; o nome é que é outro, e por isso já não a vemos com os mesmos olhos. Vá lá o ingénuo do Shakespeare (por interposta Julieta) alegar que «A rose by any other name would smell as sweet». Poderá o cheiro ser o mesmo, mas a verdade é que o nosso nariz mudou irremediavelmente.
Exemplo de despromoção foi a que sofreu a Silene elegans: há vinte ou trinta anos era uma das jóias botânicas da Serra da Estrela, um endemismo exclusivo ainda mais raro do que a Silene foetida subsp. foetida; agora que se passou a chamar Silene ciliata, e se sabe que ocorre igualmente em Espanha, já ninguém quer saber dela.
E é bem possível que a história se repita com a planta de hoje, uma erva-loira (nome que assenta bem a várias espécies de Senecio) que em Portugal só existe na Serra da Estrela. É uma moça modesta, sem nada desses ares de exclusividade que a sua condição de rara a poderiam levar a assumir. Gosta até de se postar à beira da estrada para ver o trânsito desfilar.
Foi no primeiro volume da Flora Lusitanica, em 1804, que Félix de Avelar Brotero fez o primeiro registo oficial desta planta; chamou-lhe então Senecio caespitosus. Passou-se mais de um século e meio, a serra foi rasgada por estradas, vieram hordas de turistas atraídos pelo engodo da neve, mas nada perturbava o sentimento de pertença da planta: ela era da serra e só da serra; não queria saber de outros países ou cordilheiras. O primeiro golpe foi desferido por João do Amaral Franco no 2.º vol. (de 1984) da Nova Flora de Portugal: o S. caespitosus ficava a ser apenas uma subespécie do S. pyrenaicus, espécie que ocorre também em Espanha e na França. Ainda assim, tratava-se, de acordo com o mesmo autor, de uma subespécie exclusiva da Serra da Estrela. Talvez essa réstia de glória se perca quando a Flora Ibérica fizer sair o volume das asteráceas: de facto, as particularidades morfológicas assinaladas por Franco (recorte da folhagem, diâmetro dos capítulos florais) não parecem ser suficientemente diferenciadoras; e à vista desarmada esta hipotética subespécie não se distingue das outras.
Por certo o leitor ficou, como nós, ansioso por conhecer o desfecho desta história. Uma Flora, coisa árida escrita na linguagem cifrada dos especialistas, pode ser uma leitura emocionante.
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