06/09/2011

O único assobio que



Silene foetida Link subsp. foetida

Em algumas famílias, para que as crianças não conheçam a inveja pelo presente alheio, dão-se prendas a todos os miúdos no aniversário de cada um. Igual gentileza têm certas plantas connosco: para que Espanha não seja a única depositária de quase todos os endemismos ibéricos interessantes, há espécies que se dividem em duas subespécies, cada uma só ocorrendo de um dos lados da fronteira. Exemplifiquemos.

A Silene acutifolia Link ex Rohrb., planta perene que encontrámos nas serras do Gerês, Aboboreira e Estrela, é, como contámos, um endemismo luso-galaico que escolhe as fissuras das rochas graníticas para habitar, entre os 700 e os 1800 metros. As pétalas são púrpura ou rosadas e pouco indentadas, ligeiramente reflexas. As folhas apiculadas formam uma roseta basal e algumas, poucas, distribuem-se pelos talos que se ramificam dando-lhe um ar cespitoso. A esta espécie chamou Amaral Franco, na Nova Flora de Portugal (1971), Silene foetida Sprengel. Confuso?

Compreede-se o engano porque a verdadeira Silene foetida Link (a que Franco chamou S. macrorhiza Lacaita) é muito parecida com a S. acutifolia, embora prefira solos mais xistosos em taludes pedregosos mais ou menos humedecidos, a altitudes superiores a 1800 metros. É também planta vivaz, de folhas ovadas, arredondadas na base e densamente pubescentes, mas sem roseta basal e com os caules prostrados. O cálice é um pouco maior e as pétalas mais indentadas têm um matiz rosa mais claro, por vezes quase branco; além disso, as hastes florais são mais pegajosas — mas as glândulas não lançam nenhum odor desagradável como o calunioso epíteto insinua. É um endemismo do noroeste da Península Ibérica que em Portugal só ocorre na serra da Estrela.

Porém a história tem uma adenda. Segundo a Flora Ibérica, distinguem-se duas subespécies de Silene foetida: a Silene foetida Link subsp. foetida, a tal que só se encontra na serra da Estrela; e a Silene foetida subsp. gayana Talavera, também perene, de folhagem cerrada, um pouco lenhosa, com pétalas maiores e, quanto ao visco, a meio caminho entre a S. acutifolia e a subespécie anterior. É planta só espanhola, de lugares rochosos das montanhas do noroeste, entre os 1600 e os 2000 metros.

Naturalmente os botânicos sabem de várias razões, evolutivas ou obra do acaso, para que duas espécies tão semelhantes (S. acutifolia e S. foetida subesp. foetida) se tenham tornado autónomas, embora coabitem na serra da Estrela; e poderão dar-nos outras tantas explicações para que existam duas versões quase idênticas de Silene foetida, uma para nós e outra para eles. Ou talvez a natureza, tal como a interpretam os autores da Flora Ibérica, se preocupe também em evitar birras entre os dois vizinhos peninsulares.

2 comentários :

Carlos Aguiar disse...

Uma curiosidade. Na Serra da Estrela foi descrito um híbrido, aparentemente estabilizado, entre a S. acutifolia e a S. foetida, a S. x montistellensis.
Os vossos posts são excelentes e as fotografias ainda melhores. Não parem.

Maria Carvalho disse...

Que interessante. Talvez até o tenhamos visto: reparámos em algumas populações do que parecia ser Silene foetida mas com flores um pouco menores, de um rosa muito mais vivo; sendo de S. acutifolia, estaria com a floração demasiado atrasada. Mas não temos ainda o olho treinado para híbridos...