Eis o macho
Dryopteris filix-mas (L.) Schott
- Este é o meu marido. Não sei se já se conhecem, suponho que não.
Fingindo tratar-se de um encontro imprevisto, embora de facto (sem ele o saber) estivesse tudo combinado desde a semana anterior, a senhora Athryium filix-femina, num roçagar de frondes sopradas pela brisa, conduziu-me à presença do feto robusto a quem estava ligada por um improvável matrimónio.
- Como vai? O meu nome é Dryopteris filix-mas. Eu e a Athyrium nem parece que formamos um casal, pois não? Mas nenhum taxonomista moderno tem poder para separar o que o grande Lineu uniu.
Retribuí o cumprimento e disse algumas banalidades. Depressa porém me afastei, perturbado pela ideia de que afinal já antes tinha encontrado o senhor D. filix-mas e receando cometer algum deslize. Não fora ele que eu vira entre as fragas da serra, bem longe do aconchego do lar conjugal? E já antes não me aparecera ele numa espécie de acampamento hippie para grandes fetos nos umbrosos bosques do Gerês? Há uma tácita solidariedade masculina que seria imperdoável quebrar, e a nenhum homem cabe denunciar as escapadelas de outro.
Concluí depois que a minha comoção fora injustificada. Dentro do género Dryopteris os traços de família podem ser tão vincados que a distinção entre espécies não se faz sem observação minuciosa. É perfeitamente perdoável counfundir, como eu fizera, o feto-macho Dryopteris filix-mas com dois dos seus irmãos gémeos: o falso-feto-macho (Dryopteris affinis) e o feto-macho-de-altas-montanhas (Dryopteris oreades). Machismo à farta que tentaremos desenredar parcialmente.
O D. filix-mas e o D. affinis são fetos de grande tamanho: os exemplares adultos que vegetam em solos ricos em húmus têm frondes com mais de um metro de comprimento, agrupadas em elegantes penachos. O D. filix-mas, contudo, tem hastes e ráquis muito menos escamosas, e as suas pínulas (segmentos de última ordem das frondes) são, ao contrário das do D. affinis, arredondadas e nitidamente dentadas a toda a volta. Ecologicamente também há diferenças: além de frequentar bosques, o D. filix-mas pode aparecer (como sucede na serra de Estrela) em lugares pedregosos, e por vezes chega mesmo a despontar em fendas de muros. Em Portugal dá-se também uma distinção geográfica: ainda que ambos surjam sobretudo na metade norte do país, o D. filix-mas é muito escasso a baixa altitude, e só é fácil encontrá-lo nos maciços montanhosos do interior; o D. affinis, por seu turno, é comum nos bosques nortenhos, mesmo nos que estão perto do litoral.
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