Flores da névoa
Fraga da Ermida — serra do Marão
Murbeckiella sousae Rothm.
A serra do Marão foi um pesadelo na infância: a longa viagem pelas mil curvas para a quinta no Douro só se suportava com rodelas de laranja anti-enjoo, em Dezembro, e muitas pausas pelo caminho, para comer cerejas, no Verão. As estradas hoje permitem trajectos mais rápidos, mas são apenas melhores por bocados. Com muitas obras suspensas, em alguns troços mantém-se o perigoso IP4, noutros ele foi substituído por uma gincana arreliante sobre piso esburacado ou de auto-estrada, numa alternância que cansa os músculos e desgasta os automóveis. Mas, como outrora, há recompensas no fim da viagem.
Há cerca de um ano, numa saída com a Sociedade Portuguesa de Botânica, quisemos ver esta planta em flor. Estávamos no início de Julho, mas chovia e uma névoa espessa cobria os picos do Marão. Só vimos a folhagem, a floração já tinha passado. Com clima tão agreste, não admira que as plantas apressem o seu ciclo de vida — pensámos. Este ano procurámo-la no mesmo local, um pouco mais cedo. Só vimos a folhagem, a floração ainda não tinha começado. Engolindo em seco, rumámos a outro local próximo, a altitude mais baixa, onde era plausível que também existisse. E lá estava ela florida, pronta para as fotos.
Parece a crucífera que encontrámos nos Cântaros, mas não é porque, da Murbeckiella boryi, planta da Península Ibérica e norte de África, só se conhecem populações portuguesas na serra da Estrela e rumores da sua ocorrência no Gerês. A Murbeckiella sousae, pelo contrário, é um endemismo português que vive em fendas de rochas graníticas nas serras do Marão, Freita, Lousã, Açor e Estrela. Distingue-se da outra essencialmente pelo porte (a M. sousae é, em geral, um pouco mais alta), pelos frutos (a M. sousae tem-nos maiores) e pelas pétalas que, na M. sousae, não são indentadas. O leitor poderá estudar cuidadosamente estes e outros detalhes no quadro comparativo que a Flora On preparou para estas duas espécies.
Werner H. P. Rothmaler patenteou esta espécie em 1939, na revista Botaniska Notiser, dando-lhe a designação que é hoje aceite. Contudo, já anteriormente alguns botânicos portugueses tinham reparado nela: há material de herbário datado de 1936, e António Xavier Pereira Coutinho chamou-lhe Phyrne pinnatifida na 2.ª edição (de 1939) da sua Flora de Portugal. Só nos falta desvendar a identidade do(a) Sousa que Rothmaler quis homenagear com o epíteto específico.
4 comentários :
Francisco de Sousa, famoso colector de Coimbra (cf. Fl. iberica IV, 1993)
Muito obrigada pela informação. Desconfiámos que seria um colector, mas não tínhamos modo de confirmar quem foi e que contributo teria dado neste contexto. A Flora Ibérica a que temos acesso online só refere «F. de Sousa ao. 1936, Typos, COI», frase que associámos ao herbário de Coimbra mas não nos permitiu deduzir mais nada.
A Flora iberica IV: 674 diz o seguinte: "Francisco de Sousa (1893-1971), jardinero, colector de plantas, conservador y auxiliar de naturalista, sucesivamente, del Instituto Botánico de Coimbra."
ZG
Ah, cá está (mais) uma vantagem de ter a Flora Ibérica em papel. Gratos pela ajuda.
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