10/05/2012

Flores da névoa

Fraga da Ermida — serra do Marão
Murbeckiella sousae Rothm.


A serra do Marão foi um pesadelo na infância: a longa viagem pelas mil curvas para a quinta no Douro só se suportava com rodelas de laranja anti-enjoo, em Dezembro, e muitas pausas pelo caminho, para comer cerejas, no Verão. As estradas hoje permitem trajectos mais rápidos, mas são apenas melhores por bocados. Com muitas obras suspensas, em alguns troços mantém-se o perigoso IP4, noutros ele foi substituído por uma gincana arreliante sobre piso esburacado ou de auto-estrada, numa alternância que cansa os músculos e desgasta os automóveis. Mas, como outrora, há recompensas no fim da viagem.

Há cerca de um ano, numa saída com a Sociedade Portuguesa de Botânica, quisemos ver esta planta em flor. Estávamos no início de Julho, mas chovia e uma névoa espessa cobria os picos do Marão. Só vimos a folhagem, a floração já tinha passado. Com clima tão agreste, não admira que as plantas apressem o seu ciclo de vida — pensámos. Este ano procurámo-la no mesmo local, um pouco mais cedo. Só vimos a folhagem, a floração ainda não tinha começado. Engolindo em seco, rumámos a outro local próximo, a altitude mais baixa, onde era plausível que também existisse. E lá estava ela florida, pronta para as fotos.

Parece a crucífera que encontrámos nos Cântaros, mas não é porque, da Murbeckiella boryi, planta da Península Ibérica e norte de África, só se conhecem populações portuguesas na serra da Estrela e rumores da sua ocorrência no Gerês. A Murbeckiella sousae, pelo contrário, é um endemismo português que vive em fendas de rochas graníticas nas serras do Marão, Freita, Lousã, Açor e Estrela. Distingue-se da outra essencialmente pelo porte (a M. sousae é, em geral, um pouco mais alta), pelos frutos (a M. sousae tem-nos maiores) e pelas pétalas que, na M. sousae, não são indentadas. O leitor poderá estudar cuidadosamente estes e outros detalhes no quadro comparativo que a Flora On preparou para estas duas espécies.

Werner H. P. Rothmaler patenteou esta espécie em 1939, na revista Botaniska Notiser, dando-lhe a designação que é hoje aceite. Contudo, já anteriormente alguns botânicos portugueses tinham reparado nela: há material de herbário datado de 1936, e António Xavier Pereira Coutinho chamou-lhe Phyrne pinnatifida na 2.ª edição (de 1939) da sua Flora de Portugal. Só nos falta desvendar a identidade do(a) Sousa que Rothmaler quis homenagear com o epíteto específico.

4 comentários :

ZG disse...

Francisco de Sousa, famoso colector de Coimbra (cf. Fl. iberica IV, 1993)

Maria Carvalho disse...

Muito obrigada pela informação. Desconfiámos que seria um colector, mas não tínhamos modo de confirmar quem foi e que contributo teria dado neste contexto. A Flora Ibérica a que temos acesso online só refere «F. de Sousa ao. 1936, Typos, COI», frase que associámos ao herbário de Coimbra mas não nos permitiu deduzir mais nada.

ZG disse...

A Flora iberica IV: 674 diz o seguinte: "Francisco de Sousa (1893-1971), jardinero, colector de plantas, conservador y auxiliar de naturalista, sucesivamente, del Instituto Botánico de Coimbra."
ZG

Maria Carvalho disse...

Ah, cá está (mais) uma vantagem de ter a Flora Ibérica em papel. Gratos pela ajuda.