Cabo das cruzes
Diplotaxis vicentina (Welw. ex Samp.) Rothm.
Esta é a época do ano em que os campos cultivados ou em pousio se enchem de crucíferas floridas em vários tons de amarelo. Assim chamadas pelas quatro pétalas formando uma cruz, as plantas desta família incluem couves, nabiças, rabanetes, mostardas, agriões e inúmeras outras espontâneas que, sendo mais ou menos comestíveis, raramente são aproveitadas como tal. Uma das mais aguerridas na tarefa sazonal de pintar de amarelo vivo a paisagem é a mostarda-branca (Sinapis alba) que o nosso vizinho mostrou há dias. Outra de flores mais pálidas é o saramago (Raphanus raphanistrum), que compensa a falta de garridismo com a omnipresença desregrada.Seria forçado afirmar que a planta das fotos, com as suas flores de um amarelo sulforoso, sobressai entre as suas congéneres pela beleza ou pela peculiar morfologia. É uma crucífera perfeitamente normal, de porte modesto (20 a 50 cm de altura), de flores fotogénicas como é de esperar na família a que pertence, com o vermelho ténue das sépalas subtilmente avivado por um toque de Photoshop. Os frutos, de 2 a 3 cm de comprimento e dotados de longos pedúnculos, têm a forma que é comum entre as crucíferas, e chamam-se silíquas — a silíqua é um fruto estreito e comprido que se diferencia da vagem (fruto típico das leguminosas) por ter as sementes dispostas em duas fiadas (nas vagens elas dispõem-se numa fiada só). As folhas, exclusivamente basais, são pinatipartidas, com o segmento terminal bem maior do que os restantes. Quase glabra na sua parte superior, a planta é contudo hirsuta na base, apresentando aí o caule e o pecíolo das folhas revestidos por grandes pêlos brancos (foto 3).
Não sendo pois candidata ao título de Miss Planta, nem sequer a um dos vários títulos de consolação que são atribuídos às perdedoras, o que faz da Diplotaxis vicentina um caso especial é, como sugere o nome, o tratar-se de um endemismo do cabo de São Vicente e arredores, estendendo-se o seu território pelo menos até Vila Nova de Milfontes, na costa alentejana. Apesar de serem poucos os registos no portal Flora On (quatro até hoje), asseveram fontes fidedignas que a espécie é abundante entre os matos rasteiros à volta do farol de São Vicente. Não é por termos visto apenas uma planta que iremos desmentir tais fontes, pois no início de Fevereiro a época oficial de floração, que decorre de Março a Junho, ainda vinha longe, e esse exemplar solitário representou um prémio inesperado.
Certos autores, entre eles o revisor do género Diplotaxis na Flora Ibérica, têm considerado que este endemismo vicentino não é uma espécie independente, mas antes uma subespécie da Diplotaxis siifolia, que se distribui pelo sul da Península Ibérica e pelo norte de África (Árgélia e Marrocos). Face às notórias diferenças que as duas espécies exibem, tal subordinação parece-nos algo arbitrária. A D. siifolia é uma planta quase inteiramente glabra, sem pêlos evidentes na parte inferior, e as suas folhas, em vez de formarem uma roseta basal como sucede na D. vicentina, estão bem distribuídas pelo caule acima.
3 comentários :
Obrigado, Paulo, pela (imerecida) atenção. Abraço.
Ora essa, Francisco, a atenção é mais que merecida.
Um abraço,
Paulo
Concordo com a opinião do post, o saramago é mesmo uma presença desregrada. E esta crucífera amarela é alegre.
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