28/03/2015

Estrela do mar


Asteriscus maritimus (L.) Less.


As falésias do Barlavento algarvio, vistas de cima como só aos pássaros é dado ver, aparecem entre Abril e Maio delineadas com o traço amarelo-vivo das estrelas-do-mar em floração. Pelo menos é assim que nós, que não somos pássaros, as imaginamos; mesmo que o fôssemos, a nossa rota migratória teria cruzado demasiado cedo os céus do Algarve. São tantas as estrelas-do-mar que em qualquer altura do ano há sempre alguma flor que desrespeita o calendário. E não o faz por engano, mas sim obedecendo à prática comercial em que se dá a ler de graça o primeiro capítulo de uma obra, e quem quiser saber a continuação que compre o livro. Aqui trata-se igualmente de capítulos, pois é esse o nome técnico das inflorescências dos malmequeres e demais asteráceas. Vimos inúmeras plantas sem capítulos, vimos capítulos já secos da temporada anterior, e vimos, nas arribas do cabo de São Vicente, com o coração aos pulos, o primeiro, segundo e terceiro capítulos da grande saga de centenas de milhares de capítulos que se prepara para a Primavera de 2015. Fôssemos nós mais abonados de tempo, o engodo teria funcionado na perfeição e o regresso estaria marcado para breve. Ao contrário do que muitas vezes sucede com os livros, não nos sentiríamos enganados, pois o desenvolvimento da história não iria trair, muito pelo contrário, o fulgor dos capítulos preliminares.

Não sendo a zoologia o nosso assunto habitual, o leitor terá notado que não usamos estrela-do-mar para designar um bicho marinho, mas sim a planta que aparece ilustrada nas fotos. Dado ser pequeno o risco de confusão, não é inédito animais e plantas terem iguais nomes vernáculos: um exemplo é dado pelas anémonas, que tanto podem ser do mar como do bosque. A tradução à letra do nome latino Asteriscus maritimus seria estrelinha-do-mar, mas preferimos dispensar o diminutivo. Certo é que este Asteriscus merece designação mais bonita do que o pampilho-marítimo registado em certas obras de referência, e que o nome estrella de mar é já usado em castelhano e em catalão.

Endémica da metade oeste da bacia mediterrânica, a estrela-do-mar é uma planta perene, de base lenhosa, formando as almofadas típicas das plantas que crescem em lugares muito castigados pelo vento, como são as arribas onde costuma fixar-se. A reacção ao ambiente agreste não a levou, contudo, a armar-se de espinhos como fez a sua colega vicentina, igualmente almofadada mas imprópria para nela recostarmos a cabeça. As suas folhas, agrupadas em atraentes rosetas, têm um aspecto acetinado, e os capítulos, que são de um amarelo vivo e surgem em grande profusão, têm cerca de 4 cm de diâmetro.

Homenagem merecida foi a que Chris Thorogood e Simon Hiscock prestaram à estrela-do-mar ao colocá-la na capa do seu livro Field Guide to the Wild Flowers of the Algarve (Kew Publishing, 2014). É uma escolha muito atraente, predispondo-nos de imediato a gostar de um livro que, não sendo isento de defeitos (algumas omissões sérias, meia dúzia de erros de identificação, fraca discriminação entre autóctones e exóticas), está bem ilustrado e bem escrito, com verbetes justos que realmente permitem reconhecer as espécies descritas.


costa algarvia perto de Ferragudo

1 comentário :

bea disse...

A saudade que tenho às flores marítimas, aquelas espinhudas e meio azuis, de folha verde esbranquiçado que proliferam na minha praia. Vida mais incompreensível não existe, agarrada na areia dispersa, presumo que com pouca água e alimento, mas tão bonita em seus torneios de arco. Não sei mesmo como a beleza ali se cria, mas existe, que a vejo anual e repetida a azular na paisagem.