Por entre as pedras do chão
Gymnostyles stolonifera (Brot.) Tutin [= Soliva stolonifera (Brot.) Sweet]
A calçada portuguesa, esse perigo para quem usa saltos altos, não é (ou não era) a única coisa que distingue (ou distinguia) as nossas cidades das demais urbes europeias. As ervas que crescem entre as pedras do chão, sobrevivendo ao pisoteio e à aplicação periódica de herbicidas, também podem ser peculiarmente nossas, contando, de modo discreto, uma parte da nossa história. Pelo hábito rastejante e preferência por lugares ruderalizadas, a herbácea anual retratada nas imagens tem tudo para ser ignorada mesmo por quem tem o costume de botanizar. As suas folhas pinatífidas, de uns 2 cm de comprimento, estão divididas em dois ou três pares de segmentos laterais, fazendo lembrar as folhas de algumas pequenas crucíferas como a Teesdalia e a Hornungia. Trata-se contudo de uma asterácea, e os seus capítulos, que são sésseis e têm uns 5 mm de diâmetro, assemelham-se a minúsculas bolas de algodão. Vive entre as pedras de caminhos rurais ou urbanos, e também em solos secos e revolvidos. Como é próprio de quem preza a invisibilidade, é uma planta pouco vista, mas está presente em Portugal continental, Açores e Madeira.
Que tem ela a ver com a história de Portugal? Para começar, quem primeiro a descreveu, sob o nome de Hippia stolonifera, foi o maior botânico português, Félix de Avelar Brotero (1744–1828), na obra Phytographia Lusitaniae Selectior (disponível para consulta na biblioteca digital da Universidade de Coimbra — veja aqui). Brotero aponta a sua semelhança com a Hippia minuta, espécie baptizada por Lineu filho hoje conhecida como Cotula mexicana, e informa que a Hippia stolonifera é inodora e insípida, não tem usos conhecidos, e ocorre sobretudo nos arredores de Lisboa e de Coimbra. No Jardim Botânico de Coimbra, diz-nos ele, a planta está espalhada por todo o lado.
O habitat preponderantemente citadino que Brotero assinala sugere que a (agora chamada) Gymnostyles stolonifera tem origem exótica, e de facto ela é proveniente da América do Sul. No entanto, tratando-se de uma planta inteiramente destituída de valor económico ou de qualidades ornamentais, a sua importação para esta banda do Atlântico só pode ter sido involuntária. Misturados com a carga valiosa dos navios que nos chegavam das Américas, muitos passageiros clandestinos, e entre eles as sementes desta planta, tiveram oportunidade de aqui se instalar; e, como os navios faziam escala nas ilhas, também elas foram contaminadas. É essa a história que nos conta uma planta insignificante.
3 comentários :
As voltas que a vida dá. E nela, as plantas.
um blogue encantado
abraços
Bela planta e belo texto!!
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