31/05/2020

Bombardeira ou maçã-de-Sodoma


Calotropis procera (Aiton) W. T. Aiton


Por qualquer bitola que se use, a Calotropis procera é uma planta bem sucedida: as flores, que surgem durante quase todo o ano, parecem de cera e têm uma coloração atraente, convencendo não poucos admiradores a cultivá-la nos seus jardins; os frutos estão recheados de uma fibra plumosa que, à semelhança da sumaúma, pode usar-se para encher almofadas; em tempo de guerra, o látex exumado pelo caule fornece veneno para derrotar inimigos. A somar a estas qualidades, é uma planta que sabe cuidar de si, tendo feito a melhor aposta para acautelar o futuro: própria de zonas áridas ou semi-áridas, com exigências ecológicas mínimas, não são a falta de chuva ou a expansão dos desertos que poderão apoquentá-la. A sua área de distribuição, que já era vasta, estendendo-se da África tropical à Índia, tem-se alargado exponencialmente com a sua chegada à América e à Austrália.

Organismos com essa capacidade para ampliar o seu território, sejam eles plantas ou bichos, não costumam ser bem vistos. São invasores que tiram espaço às espécies nativas, alterando os habitats de forma às vezes irreversível. É esse o efeito da bombardeira (nome para a Calotropis procera no Brasil) na caatinga do Nordeste brasileiro, um ecossistema já muito diminuído e adulterado por desmatações, queimadas e, mais recentemente, por grandes obras públicas como a construção dos canais de transvase do rio São Francisco. A capacidade de que a planta dá provas para colonizar áreas degradadas é assombrosa: numa faixa de desmatação de dezenas de quilómetros de comprimento por cem a duzentos metros de largura, aberta para fazer passar um dos canais de transvase e depois abandonada, estimou-se, em artigo datado de 2013, uma média de 12 exemplares da planta por cada quadrado de 5 metros de lado, incluindo 8 já adultas (produzindo flores e frutos). No mínimo, isso dá um milhão de exemplares. E o domínio da bombardeira era absoluto: nas parcelas de amostragem só foram detectadas três outras espécies de plantas, cada uma delas com apenas um exemplar. De facto, a bombardeira possui mecanismos eficazes para inibir o crescimento de outras plantas e assim formar povoamentos mono-específicos. Essa mesma capacidade (a que os biólogos chamam alelopatia) é exuberantemente demonstrada em Portugal pela mimosa (Acacia dealbata) nos terrenos por ela invadidos.

Esclareça-se que as nossas fotos foram tiradas na Grã-Canária, onde a Calotropis procera, talvez por aí se encontrar tão perto da sua área de distribuição natural (que inclui Marrocos, Argélia e Egipto), tem um comportamento incomparavelmente mais comedido, que de modo nenhum se pode qualificar de invasor (é possível que em Fuertventura, a mais árida das ilhas Canárias, a história seja outra). Só encontrámos exemplares isolados, e apenas em dois ou três locais. Devemos até reconhecer que ficámos contentes com o encontro, porque a achámos bonita e nunca a tínhamos visto. Francisco Clamote, que a viu e fotografou na Índia, fala-nos aqui sobre ela.

3 comentários :

Francisco Clamote disse...

Obrigado, Paulo. Abraço.

Paulo Araújo disse...

Um abraço também para si, Francisco

Teresa disse...

Son muy bonitas, a mí me gustan. Saludos.