Where are you from?
Viajamos para travar conhecimento com coisas novas, mas também nos agrada reencontrar o velho em contextos novos. Quando percorremos as estradas da Grã-Canária, em momento nenhum podemos imaginar que estas montanhas esventradas por barrancos se localizam na Europa. Não é só o negrume do basalto a dar testemunho de outra geografia, mas também a vegetação dominada por plantas suculentas e adaptadas à secura a vincar a diferença. Contudo, há por vezes apontamentos de cor que nos fazem momentaneamente regressar a casa. Esta leguminosa arbustiva de flores amarelas, que enfeitava uma curva de estrada de onde se via o mar enquadrado por duas encostas pedregosas, era já nossa conhecida do vale do Douro internacional, a jusante da barragem de Bemposta. Tanto nas folhas trifoliadas e estreitas como nas sépalas compridas e no indumento glanduloso, a planta canarina parecia uma perfeita sósia da Ononis natrix, que se distribui por grande parte da Europa mediterrânica e do norte de África.
Consultadas as obras de referência, ficamos a saber que ao migrar para as Canárias a nossa velha conhecida conseguiu munir-se de documentação com indiscutível validade legal que lhe outorga nova identidade. Esquecido o passado, é tempo de a planta criar novas raízes e de se fazer à vida como legítimo endemismo canário. Quem somos nós para a denunciar? Julgámos reconhecê-la, mas enganámo-nos, desculpe a confusão. E na verdade ela é capaz de já viver nas ilhas há bastante tempo. Quantos milénios são necessários para se pertencer a um território? Porque se formos muito picuinhas, quase todos nós, humanos, somos exóticos na terra onde nascemos.
É pois com o maior gosto que exibimos no escaparate a Ononis angustissima, endémica das ilhas Canárias que se distribui por quatro ilhas: Tenerife, Grã-Canária, Lanzarote e Fuerteventura. Só temos a louvar o esmero com que, no seu agora arquipélago natal, ela se dedica à ornamentação das rodovias — isso representa, certamente, uma mais-valia para as ilhas que a acolheram. (Só uma dúvida nos inquieta: que utilidade teria ela antes de haver estradas e automóveis?) E a sua condição insular já é suficientemente antiga para lhe ter permitido alguma diversificação, sendo-lhe reconhecidas duas subespécies: a subsp. longifolia (aquela que fotografámos, presente nas quatro ilhas referidas) e a subsp. angustissima (de folíolos mais estreitos, só na Grã-Canária e em Tenerife). Claro que os maldosos (todos eles, estranhamente, exteriores ao arquipélago) ignoram toda essa evolução e não se cansam de lhe atirar o (alegado) passado à cara, continuando a chamar-lhe Ononis natrix — ou, quando muito, Ononis natrix subsp. angustissima.