22/03/2022

Erva-pulgueira (com ou sem lã)



Como símbolo de resistência e de esperança, uma flor no deserto é mais eficaz se o encontro com ela for inesperado. Para quem estiver armado de experiência e conhecimento, e souber que o fenómeno nada tem de raro, a flor mais ou menos solitária não funciona como revelação, mas apenas como confirmação apaziguadora de que, no nosso planeta, a vida é a regra e nunca a excepção. A península de Jandía, no extremo sul de Fuerteventura, nunca há-de ter as suas planuras arenosas convertidas em prados floridos: a chuva aqui é desconhecida; e, mesmo que ela caísse, só uma cobertura vegetal rala poderia medrar neste terreno esquelético. Essa vegetação esparsa e rasteira já existe; e, entre as plantas que se adaptaram a condições tão agrestes, são especialmente vistosas estas asteráceas rasteiras com grandes capítulos dourados.

Pulicaria canariensis Bolle subsp. canariensis


O nome científico Pulicaria pode traduzir-se como erva-das-pulgas, o que sugere uma função (a de repelir esses desagradáveis insectos) que nem todas as espécies do género estão equipadas para cumprir. À Pulicaria canariensis, que é endémica das ilhas de Fuerteventura e de Lanzarote, basta-lhe ser bonita; ninguém pede que justifique a existência trabalhando em nosso proveito. É uma planta atarracada, que forma pequenas moitas, com hastes de 10 a 20 cm de altura rematadas por capítulos amarelos de 3 a 5 cm de diâmetro. As folhas são curtas, espatuladas, e toda a planta é coberta por uma penugem mais ou menos espessa. É aliás pelo grau de pilosidade que se diferenciam as duas subespécies que lhe são reconhecidas: a subespécie nominal (fotos em cima, tiradas em Fuerteventura), que ocorre em Fuerteventura e em Lanzarote, é menos tomentosa, e a planta é de cor verde; a subespécie lanata, que só existe em Lanzarote (onde as fotos em baixo foram obtidas), tem um indumento lanoso muito mais desenvolvido, o que dá à planta um tom esbranquiçado.

Pulicaria canariensis subsp. lanata (Font Quer & Svent.) Bramwell & G. Kunkel


Ver plantas tão agasalhadas em lugares tão quentes pode suscitar estranheza. Afinal, quando o calor é muito estamos habituar a despir agasalhos e a reduzir as vestes ao mínimo que a decência impõe. Mas os povos que vivem no deserto, em lugar de usarem trajes sumários, cobrem-se de mantas e capas que lhes tapam o corpo da cabeça aos pés. É a mesma sageza que leva plantas de deserto como esta Pulicaria a protegerem-se revestindo-se com uma espessa penugem: ao minimizarem as perdas de água por transpiração, estão mais aptas a sobreviver à secura impenitente. Mas que água? A que a penugem capta de nevoeiros e orvalhos, e que é depois conduzida sem desperdício às raízes pela folhagem em roseta.

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