03/03/2022

Cebolona albarrã



Esta é a imagem que retemos da chegada ao Barranco de Las Peñitas, em Fuerteventura. Por aqui já correu um rio, o Palmas, num desfiladeiro fundo ladeado por impressionantes taludes rochosos. Do rio e das suas águas pouco resta, para além do gigantesco paredão da albufeira que o aprisionava para que ele não fugisse para o mar sem antes ter alguma serventia. A impressão à entrada é, portanto, desoladora: um calor intenso no ar seco e sem brisa, nenhuma esperança de sombra, e um silêncio da passarada que nos avisa que o lugar é inóspito e que, se insistirmos em prosseguir a caminhada, o problema é nosso.

E lá fomos. Uns minutos depois cruzámo-nos com meia dúzia de pessoas, cansadas, suadas, de semblante carregado, rostos castanhos de poeira, sem sinal de regozijo. Mau sinal, pensámos. Dois passos adiante, porém, encontrámos as primeiras plantas que vínhamos ver, da espécie Volutaria bollei, endémica de Lanzarote e Fuerteventura. É certo que só havia plantas mirradinhas, mas ficámos contentes por saber que será possível noutra altura (entre Janeiro e Maio) vermo-las ali formosas e fresquinhas.

Animados, avançámos em direcção a um núcleo de palmeiras (Phoenix canariensis, muito vulgares em jardins portugueses), parte do que terá sido outrora um oásis de verdura. Apesar da sombra escassa, nos rochedos das margens notavam-se pequenas cavidades onde a temperatura era bastante mais amena. Encavalitados como cabritos, espreitámos. Começámos por ver inúmeros tufos de Cosentinea vellea, um feto de frondes peludinhas que aprecia fissuras de rochas em locais secos e soalheiros, e que suporta a desidratação por períodos prolongados. Isto está a correr bem, dissemos. Mais adiante, aconchegados à sombra de uma espécie muito comum nas Canárias, Launaea arborescens, havia também muitos pés de Caralluma burchardii, um endemismo canariense raro, da lista de espécies em perigo. Antes de descermos cautelosamente a encosta rochosa reparámos numa forma tubular roxa ondulante, escondida num desvão escorregadio e de difícil acesso — mas perfeitamente alcançável pelo fotógrafo destemido que ilustra este blogue.

Scilla latifolia Willd. [= Autonoe latifolia (Willd.) Speta]


Esta Scilla robusta, com inflorescências densas que lembram caudas de raposa, é nativa de Marrocos e das ilhas Canárias. Floresce no Outono, por isso foi uma sorte vê-la florida em Dezembro. Fortuna que parece ter bafejado apenas a nós, naquele dia de tantos visitantes ao Barranco de Las Peñitas.

2 comentários :

jj.amarante disse...

Parabéns por mais essas belíssimas (e aventurosas) fotos!

Luís Palma Gomes disse...

Gosto imenso do vosso blogue: parabéns pela perserverança, rigor, amor à natureza, tão diverso e disciplinado.