21/06/2022

Amarelos de Fuerteventura



A quem procura plantas à beira-mar, de olhar curioso e máquina fotográfica pronta, exige-se uma desatenção instruída. É que os veraneantes, em geral em trajes sumários, podem presumir que o fotógrafo está à procura de imagens suas, talvez para divulgar em poucos minutos nas redes sociais — e isso seria uma desgraça. Curiosamente, muitos deles ter-se-ão fotografado mal chegaram à praia, antes e depois do primeiro banho de mar, sem receio de expor a sua privacidade a olhares alheios. Mas fizeram-no em pose, como heróis felizardos, não como gente real que sacode a areia dos pés e a quem o vento desajeita o cabelo. Em fotos muito antigas, também adultos e crianças surgem com postura afectada, em formação quase militar. Mas não se vê um sorriso, tal é o receio de que a foto, incapaz de mentir, revele algum segredo. Uns chegaram ao futuro com ar ponderado e maduro, e a foto é um recado aos descendentes; os outros só querem fazer inveja aos demais. O improviso, que se diria garantia do que é genuíno em fotografia, parece ter perdido de vez a pertinência.



Na praia de La Pared, na costa oeste de Fuerteventura, o fotógrafo pode esquecer-se destes melindres, e até das pessoas. Depois de estacionarmos o carro junto às poucas casas, bem afastadas do mar, que servem pescadores e turistas, seguimos pela praia extensa de areia fina, com dunas tão altas e barrigudas que não nos cruzamos com ninguém em quilómetros de passeio. Pudemos, assim, apreciar calmamente os detalhes desta asterácea endémica de Fuerteventura e do sudoeste de Marrocos.

Pulicaria burchardii Hutch.


As plantas do género Pulicaria têm inflorescências muito elegantes: ao contrário das margaridas mais comuns, as lígulas (falsas pétalas) são fininhas e de cor amarelo-pálido; no centro do capítulo, onde se reúnem os florículos, o tom que domina é de um amarelo mais intenso e fácil de detectar. Como aqui lhe contámos, o arquipélago das Canárias foi bafejado com um endemismo excluivo no género Pulicaria, que só ocorre em Fuerteventura e Lanzarote. Difere bastante da P. buchardii, que é quase um arbusto, com folhas lineares e lanuginosas, de um tom prateado que não é raro em plantas à beira-mar. Forma coxins compactos, cujos talos laterais se enterram firmemente na areia — para ajudar à pose.

1 comentário :

bettips disse...

Tão bom não (vos)perder de vista!
Obg