01/06/2022

Erva-negra

Bupleurum semicompositum L.


Viajar para encontrar o mesmo é a sina de todos nós na era da globalização: as mesmas vozes nos altifalantes dos aeroportos, as mesmas cadeias de restaurantes e cafetarias, os mesmos supermercados com iguais produtos nas prateleiras, o mesmo mar desenrolando as ondas em areais onde preguiçam banhistas indiferenciados, as mesmas palmeiras namorando um pôr-do-sol de postal ilustrado em idênticas esplanadas à beira-mar. E até as plantas, se não nos esforçarmos por romper a barreira da mesmice, se repetem com imperturbável desprezo pelas variações de latitude e longitude. Há plantas que são invasoras globais (como a Lantana camara), outras que se fizeram cosmopolitas pela predilecção que têm por lugares humanizados (como o rícino [Ricinus communis], a beldroega [Portulaca oleracea] e a erva-azeda [Oxalis corniculata]), e outras ainda que, tidas como bonitas e fáceis de propagar, são usadas por jardineiros indolentes em todos os cantos do mundo (como as hortênsias, os agapantos e as estrelícias). A uma quarta categoria, mais simpática, pertencem aquelas plantas que lograram alcançar ampla distribuição sem a nossa ajuda. Uma das campeãs indiscutíveis é a avenca [Adiantum capillus-veneris], nativa de climas temperados, subtropicais ou tropicais em todos os continentes habitados.

O género Bupleurum — que é atípico dentro da família das umbelíferas pelas suas folhas simples, lanceoladas — não tem grande vocação para cosmopolitismos: integra centena e meia de espécies, quase todas no hemisfério norte (com uma excepção), a maioria na Ásia ou nos países mediterrânicos (Europa e norte de África), e muitas delas endémicas de áreas restritas. Até em Portugal tivemos direito a um Bupleurum endémico: vive na serra do Cercal, e aguarda há vinte anos a validação de «estudos recentes» que o dão como exclusivo dessa faixa do sudoeste alentejano. O porte destas plantas é extremamente variado: há espécies arbustivas — como o B. fruticosum em Portugal continental, e o B. salicifolium na Madeira e nas Canárias —, há herbáceas perenes de aspecto robusto, e há ervas anuais pequenas ou minúsculas. O Bupleurum semicompositum, que fotografámos em Fuerteventura, é uma planta anual rasteira e pouco conspícua; mas, como costuma frequentar zonas de vegetação rala, não é difícil de detectar. O que a notabiliza é fazer o pleno da bacia mediterrânica, incluindo o sul de Portugal, e, além disso, ainda surgir em seis das ilhas Canárias — onde, até hoje, só não foi observada em La Palma.

Talvez a facilidade de deslocação de que o Bupleurum semicompositum deu provas se deva às dimensões microscópicas das suas sementes: cada fruto não tem mais que 1,5 mm de diâmetro, e as flores, que se reúnem em grupos de seis a nove e têm pétalas amarelas ou esverdeadas, ficam-se por igual tamanho. Ainda assim, com o seu hábito prostrado e muito ramificado, a planta pode exceder os 30 cm de comprimento, resgatando-se desse modo da invisibilidade que aflige, por exemplo, o B. tenuissimum. Folhas e caules são glabros, de cor glauca, de modo nenhum enegrecidos. Por que misteriosa razão se chamará ela hierba negrilla nas Canárias?

1 comentário :

bettips disse...

O primeiro texto corrido deste v/post é exactamente o que penso e vejo. Em duas décadas, é notório, nos CC., nas ruas chiques.
A diversidade verga-se aos grandes impérios, da política e do "money money". Ontem estive a ler sobre os murais de Júlio Pomar no Batalha, fiquei siderada... Felizmente a serem recuperados.
E hoje li sobre o Hotel Infante Sagres, a "companhia" de fantasmas sem rosto??? que acabou por o comprar. Tantos milhões a ser ditos que já não aprendi Matemática suficiente para lhes saber os zeros.
Abçs