Folhado rijo
Há uns anos, uma notícia surpreendeu cientistas e vigilantes da natureza: durante a estação seca, num período particularmente quente, centenas de antílopes no sul de África foram envenenados por árvores do género Acacia. Depois de vários meses sem chuva, estas plantas desesperavam para manter alguma folhagem, e havia que impedir a herbivoria. O mecanismo de defesa incluiu então duas etapas, a cumprir em não mais de meia hora: a emissão de um alerta (com etileno) pelas plantas com folhas já danificadas, avisando sobre a presença de predadores; e a produção extra e imediata de tanino pelas árvores notificadas, tornando as folhas mais amargas. O objectivo deste processo não era matar os animais, para quem essas árvores sempre foram a fonte principal de alimento. O sabor desagradável das folhas deveria repeli-los e levá-los a procurar alimento noutras paragens, evitando desse modo que dizimassem as plantas. Infelizmente, sem alternativa num local tão árido, os bichos comeram as folhas tóxicas — e os botânicos descobriram que afinal as plantas, sempre tão silenciosas, comunicam entre si.
Esta é uma instância dramática de adaptação da folhagem ao habitat, mas há outras mais fáceis de reconhecer e menos perigosas. Se as folhas são coriáceas e pequenas, de textura rija ou mesmo espinhosa, é bastante provável que a espécie esteja exposta a um clima quente e seco, ou muito frio. Pelo contrário, as folhas grandes e mais frágeis, que parecem depender de bastante água e sombra, são mais comuns em plantas de bosque, com temperaturas amenas e chuva frequente. Nas florestas tropicais, onde a humidade é elevada, há longos períodos com temperaturas muito altas e a acção dos herbívoros pode ser debilitante, é fácil encontrar plantas com folhas enormes mas duras, rugosas e indigestas, com margens recurvadas e veios centrais vincados para que o excesso de água escorra facilmente, e venação pinada para que a seiva nutra devidamente as folhas grandes.
Na região mediterrânica, origem de muitas das espécies da flora da ilhas Canárias, o clima é quente e seco no Verão, mas ameno e húmido no Inverno. Não peca nem pelos destemperos do clima oceânico, muito chuvoso e dado a ventanias (o das ilhas açorianas), nem pelos ardores do clima semi-árido do norte de África (e o de várias ilhas das Canárias). Algumas das espécies que dali migraram para a Macaronésia mantiveram o porte arbustivo, ou até se esticaram para árvores, mas as folhas tornaram-se mais pequenas, ou mais rijas, ou mais espinhosas. É o caso do género Viburnum.
As espécies do género Viburnum que ocorrem em Portugal (V. tinus, V. opulus e V. lantana) gostam de orlas de bosques sombrios, da proximidade de cursos de água e de solos férteis. Têm folhas verdes, largas e mais ou menos lustrosas, que se dispõem horizontalmente de modo a maximizarem o benefício do calor e da luz. O Viburnum rigidum, endemismo do arquipélago das Canárias (que ocorre em El Hierro, La Palma, La Gomera, Tenerife e Gran Canaria) parece ser morfologicamente próximo do V. tinus. Em particular, a folhagem é igualmente perene, embora o porte seja mais alto, atingindo os 7 m de altura. Pode encontrar-se em bosques de laurissilva, mas é frequente em barrancos pedregosos e quentes, onde os ribeiros há muito desapareceram e raramente chove. Em resposta a este tipo exigente de habitat, ou a solo pobre em alguns nutrientes, a folhagem tornou-se mais tolerante à falta de água e pouco atraente para os herbívoros. As folhas do V. rigidum são longas (10-20 cm) mas têm textura coriácea e áspera, penugem densa em ambas as faces e ao longo das nervuras, margens inteiras e ápice agudo.
As fotos são de exemplares de um pinhal em Arafo (Tenerife). As umbelas densas de flores brancas (que desabotoam entre Fevereiro a Maio) são semelhantes às do V. tinus, mas mais vistosas. Pelo contrário, os frutos carnudos, escuros quando maduros, copiam o padrão do género na região mediterrânica.
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