11/07/2023

Duo de escrofulárias



Embora os representantes mais emblemáticos da flora das Canárias (como as suculentas do género Aenonium ou os malmequeres do género Pericallis) tenham um ar decididamente não europeu, não é raro depararmo-nos nessas ilhas com plantas endémicas de aspecto familiar, variações daquelas que conhecemos bem no nosso rectângulo ibérico. Trazemos dois exemplos de Tenerife para ilustrar essa asserção, ambos do género Scrophularia. É um género a propósito do qual não nos podemos queixar de partilhas desiguais: mais de metade das espécies ibéricas (13 em 23) ocorre em Portugal continental, sendo duas delas endémicas do nosso território, e a esse total há que adicionar quatro espécies madeirenses (incluindo três endémicas). Sobre as Canárias levamos clara vantagem, pois são apenas seis as espécies de Scrophularia referenciadas no arquipélago. Contudo, três dessas espécies são endémicas das ilhas; e, das duas que hoje mostramos (ambas endémicas), uma ainda se divide em três subespécies.

Scrophularia glabrata Aiton


A Scrophularia glabrata (fotos acima), alegadamente conhecida como fistulera de cumbre, vive nas zonas elevadas das ilhas de Tenerife e La Palma. As suas flores tubulares, de um vermelho carregado, cumprem à risca o figurino do género, mas o hábito arbustivo e profusamente ramificado da planta distingue-a de espécies continentais herbáceas como a S. scorodonia a S. auriculata. Também são peculiares as folhas estreitas, coriáceas e luzidias, de margens crenadas e base assimétrica. Mais do que as minúcias morfológicas, é o local de residência que a torna inconfundível: nos cumes pedregososos do Teide, a pleno sol ou refugiando-se em fendas de grandes rochas, é a única Scrophularia equipada para sobreviver em habitat tão agreste. O que faz com indiscutível sucesso, florescendo praticamente durante todo o ano.

Scrophularia smithii Hornem. subsp. smithii


Pelas folhas grandes e pela inflorescência piramidal, bem como pela preferência por habitats sombrios e boscosos, a Scrophularia smithii, também endémica das Canárias, afigura-se-nos mais próxima das espécies europeias do género do que a sua conterrânea de maiores altitudes. As flores esverdeadas acabam por enfraquecer esta argumentação, uma vez que flores dessa cor são inauditas em espécies europeias — ainda que a Scrophularia vernalis (existente em grande parte da Europa para lá dos Pirenéus) dê flores amarelas. Em todo o caso, a coloração das flores não costuma ser factor decisivo na discriminação das espécies, talvez porque, no material seco de herbário com que os botânicos tradicionalmente trabalhavam, todas as cores se reduzem ao castanho da palha seca. Assim, esta Scrophularia smithii de flores verdes foi agrupada com duas outras escrofulárias canarinas de flores vermelhas convencionais, que a ela ficaram subordinadas como subespécies; são elas a subsp. langeana (de La Palma, La Gomera e Tenerife) e a subsp. hierrensis. A subespécie smithii, que integra apenas plantas de flores verdes como as que mostramos nas fotos, é exclusiva da laurissilva de Anaga, em Tenerife. Se quisermos fingir-nos falantes de castelhano, podemos chamar-lhe fistulera tinerfeña, mas é possível que ninguém nos entenda e isso não se deva apenas à nossa fraca pronúncia.

2 comentários :

bettips disse...

Como é possível (eu venho aqui várias vezes...) falarem e mostrarem coisas tão grandes como os montes, ou pequenas, humildes, de mundos rasteiros,
e ainda darem um ar da vossa graça!
Obg

ZG disse...

Lindas e pouco conhecidas!!