Muros de alecrim
Há umas semanas foi divulgado um vídeo em que uma cantora celebrava o seu amor por uma árvore, que não era aquela à sombra da qual cantava. Do que ela gostava, mais do que da árvore, era de um nome, de uma certa combinação de sílabas, e tinha fraca importância que a árvore a seu lado não respondesse por esse nome. "Magnólia", por exemplo, é uma palavra bonita. Quem diz que não podemos dar esse nome a qualquer árvore que nos agrade, mesmo que com isso contrariemos a opinião dos entendidos sobre o que é uma magnólia?
"Alecrim" é outra das palavras associadas ao reino vegetal que, pela sua inexcedível eufonia, exige ser aplicada a muitos outros arbustos além do Rosmarinus officinalis, que é aquele que a palavra oficialmente designa. O Rosmarinus, como é óbvio, deveria contentar-se com "rosmaninho"; mas, por uma daquelas incongruências em que a língua portuguesa é fértil, essa palavra nem se lhe aplica: o rosmaninho é, afinal, uma espécie de lavanda (L. pedunculata ou L. stoechas). Contudo, é verdade que o dicionário nos autoriza a chamar "alecrim" a diversas plantas, tanto arbustivas como herbáceas, desde que acoplemos ao nome uma alusão aos lugares que esse particular alecrim costuma frequentar. Assim, o alecrim-do-rio seria uma certa menta, e o alecrim-do-monte uma espécie de tomilho; mas as mesmas plantas têm designações mais sugestivas e esses nomes raramente são usados. Um nome que realmente goza de correntia é "alecrim-das-paredes": a planta assim chamada, Phagnalon saxatile, pertence à família das compostas e não é especialmente aromática. É, porém, indiscutível a sua propensão para colonizar paredes e muros velhos, mesmo em ambiente urbano. Quem percorra as ruas antigas de qualquer cidade ou vila portuguesa, e preste atenção à vegetação dos muros, dificilmente deixará de a detectar.
Em castelhano, o Rosmarinus officinalis chama-se romero — e, tal como sucede em português com alecrim, variações desse nome (como romero marino) aplicam-se a plantas muito diversas, incluindo algumas do género Phagnalon. O Phagnalon umbelliforme, ilustrado nas fotos, endémico das Canárias e aí presente em todas as ilhas excepto Fuerteventura e Lanzarote, é conhecido no arquipélago como mecha romero. Não é planta que viva preferencialmente em muros, mas gosta de locais pedregosos e soalheiros. Ainda que não haja falta desse tipo de habitat nas ilhas onde lhe calhou viver, em quase todas elas a planta é bastante escassa. Só parece ser frequente no extremo sul de La Palma, onde tivemos ocasião de a fotografar.
O epíteto umbelliforme, judiciosamente escolhido pelo grande botânico suíço Augustin Pyramus de Candolle (que viveu entre 1778 e 1841 e nunca visitou as Canárias, tal como nunca visitou a maioria dos lugares de onde provinham as muitas plantas a que deu nome), fornece uma descrição perfeita deste alecrim canário: são as umbelas compostas por várias dezenas de capítulos que o diferenciam claramente de todas as outras espécies conhecidas de Phagnalon. De resto, e a não ser pelo tamanho reduzido, cada um desses capítulos encaixa bem no figurino habitual do género: apresenta formato cilíndrico; as bráteas involucrais são alongadas, inermes e com margem membranácea; e as minúsculas flores que o compõem são todas tubulares (não há "pétalas" visíveis).