18/06/2025

África aqui tão perto



O sudeste da Península é a região com maior quantidade de endemismos e maior variedade de habitats da Europa. Para isso muito contribui uma orografia invulgar, com várias serras próximas da costa, bafejadas por ventos marítimos e com um clima ameno. A serra Nevada, que em Abril ainda exibe os cumes cobertos de neve, ilustra bem a biodiversidade notável desta região. Em conjunto, porém, essas montanhas isolam alguns locais das correntes húmidas do mar Mediterrâneo. Aí a chuva é muito escassa e registam-se temperaturas elevadas durante todo o ano. O processo é conhecido: o vento vindo do mar, carregado de humidade, sobe a montanha, larga no topo a água que transporta e, ao descer, está reduzido a ar muito quente e seco. Estão assim reunidas as condições para se instalar a aridez e o solo ralo, onde a vegetação mais tenaz é herbácea. Parece ser esta a origem do deserto de Tabernas, na província de Almería: uma vasta extensão de margas e arenitos, encaixada entre a Serra de los Filabres, a norte, e a Serra Alhamilla, a sueste. Visitámos este deserto em Abril, depois de duas semanas em que se registou alguma precipitação em Almería. Com sorte, pensámos, poderíamos vê-lo florido.

E, sim, encontrámos uma paisagem extraordinária, recheada de endemismos, alguns de óbvia ascendência africana, outros que são versões, adaptadas à secura e salinidade, de espécies comuns noutras paragens.

Linaria nigricans Lange


Esta Linaria é uma herbácea anual que não ultrapassa os 20cm de altura, de corola branca, por vezes levemente riscada de violeta, e esporão longo. Tem semelhanças, mas também diferenças morfológicas importantes, com a nossa Linaria elegans. É um endemismo raro do sudeste de Espanha.

Koelpinia linearis Pall.


A Koelpinia linearis é uma asterácea anual com flores de cor amarelo-limão, muitas folhas fininhas e longas, e um fruto de formato bizarro. Aprecia prados semi-desérticos, e a sua distribuição inclui também o Médio Oriente e o norte de África. A única população conhecida na Europa é a do sudeste de Espanha. Curiosamente, no recanto arenoso do deserto de Tabernas onde a vimos acompa­nhavam-na inúmeros pés de Cistanche phelypaea.

Strigosella africana (L.) Botsch. [= Malcolmia africana (L.) W. T. Aiton]


A Strigosella africana é também uma espécie anual, cuja designação oficial na Flora Iberica é Malcolmia africana. O aspecto geral é o de uma planta de porte pequeno (não mais de 40 cm de altura), com folhagem contorcida pela secura e lindas (mas diminutas) flores rosado-violáceas que amadurecem amarelas. Vimo-la no bordo de um caminho argiloso, a enfrentar estoicamente o sol com os talos rígidos ramificados a partir da base e cobertos de pêlos protectores.

06/06/2025

Limónios lilases de La Gomera



Mesmo que não aspire às estrelas do guia Michelin, um restaurante com brio pode, por apenas cinco euros, dar um toque de requinte às suas instalações sanitárias. É esse o preço de venda dos ramalhetes de limónio numa certa cadeia de supermercados — nas floristas ficam algo mais caros, mas talvez sejam de produção biológica. Assenta sempre bem uma jarrinha com limónios ao lado da saboneteira, e igual enfeite pode ser usado nas mesas das refeições se elas forem espaçosas. Nesse caso, porém, o estabelecimento já incorre em despesas significativas de decoração, necessaria­mente reflectidas na factura apresentada ao cliente.

A vantagem dos limónios face a outras flores mais vistosas como lírios ou crisântemos é que se trata de um investimento duradouro. Enquanto que as outras, se não forem artificiais, murcham em poucos dias, os limónios permanecem viçosos semanas a fio. Como é que eles conseguem? Na verdade, as flores propriamente ditas são de curta duração, e são os cálices multicoloridos (azuis, roxos, amarelos, brancos), feitos de uma matéria membranosa que parece imperecível, a dar vivacidade ao arranjo.

Em Portugal não somos mal servidos de limónios: contam-se 14 espécies no continente e mais três nas ilhas. Antes que os donos dos restaurantes se organizem para colherem às mãos-cheias inflorescências de plantas silvestres e assim pouparem uns euros, há que ressalvar que os nossos limónios não são apropriados para enfeites: faltam-lhes os cálices vistosos e, de um modo geral, têm inflorescências discretas. São belos nas falésias com o mar ao fundo (pois vivem todos no litoral), mas deixam de o ser quando arrancados e metidos numa jarra.

Com algumas excepções importantes, da mesma pecha sofrem, para bem da sua sobrevivência, a quase totalidade dos limónios ibéricos. Nas Canárias, onde se contam umas vinte espécies, a situação é diferente. Muitos dos limónios canarinos são plantas grandes, com inflorescências muito desenvolvidas, em que o azul ou lilás dos cálices contrastam com o branco das corolas. A sua valia ornamental é evidente, mas quase todos são raros, e a sua colheita (proibida por lei) seria um acto de depredação. Ao contrário do que sucede em paragens continentais, não têm preferência marcada pela beira-mar, vivendo a maioria deles no interior das ilhas, em altitudes muito variáveis que podem alcançar os 1000 metros.

Limonium brassicifolium (Webb & Berthel.) Kuntze


Neste fascículo mostramos dois dos quatro limónios endémicos de La Gomera. Qualquer deles é muito escasso na ilha, e os dois que ficam por mostrar são ainda mais raros. O L. brassicifolium (ilustrado em cima), que encontrámos num par de locais nas imediações do Roque Cano, é uma planta baixa, de não mais que 30 cm de altura, mas de folhas largas — que, como sugere o epíteto específico, são semelhantes às da couve. As inflorescências são amplas, umbeliformes, e as hastes florais são guarnecidas por abas muito largas.

O L. redivivum (ilustrado em baixo), que está restrito a taludes e escarpas da zona central de La Gomera, é bem mais elegante do que o seu conterrâneo, florindo tal como ele de Março a Maio. As suas hastes florais, também elas bastamente aladas, são altas e regularmente ramificadas, atingindo o conjunto cerca de um metro de altura; as folhas são exclusivamente basais, murchando durante a floração. Parece ser prato apetitoso para as cabras assilvestradas que têm vindo a depauperar a flora da ilha: encontrámo-lo com abundância numa ladeira pedregosa protegida por arame farpado, mas do lado de cá da cerca nem um só exemplar sobrara para amostra.

Limonium redivivum (Svent.) G. Kunkel & Sunding