Tirador de cortiça
«Conversa com António Pacheco Rodrigues, 37 anos, tirador de cortiça. (...) A cortiça que se chama brava ou virgem é aquela que é extraída pela primeira vez. Há-de, a de sobreira ou sobreiro, como lhe queiram chamar, ter à roda de 25 anos e, mesmo assim, a cortiça da primeira tiragem vale menos, não é tão boa... Por lei, o tronco tem que ter setenta centímetros de perímetro e um metro e trinta de altura até aos galhos, para se tirar a primeira vez. Nos anos seguintes vai-se tirando um bocadinho mais para cima... é a amandia. Só de nove em nove anos é que é permitido extrair cortiça da mesma sobreira. Conhece-se na folha da cortiça os anos que ela tem. Cada ano apresenta um veio. Faz pensar como a natureza da árvore anda tão certa como a natureza do tempo, sim, do calendário... Agora com os terrenos pouco tratados, menos sementeiras, tudo mais abandonado falam em passar as tiradas para de dez em dez anos. Não será mau. Fica a cortiça mais espessa mais unida, melhor. Vai no valor, ganhar o tempo que está a mais na "mãe". (...) Muita gente pensa que as sobreiras não requerem outro tratamento que não seja de nove em nove anos chegar ali e tirar umas carradas de cortiça que valem uma mão-cheia de dinheiro mas não é bem assim, porque de Novembro a Fevereiro há a poda, retirar os troncos velhos para evitar que os rebentos venham comer a força da cortiça e esse serviço também tem os seus quês, não é chegar ali com o podão e cortar, pois não é permitido tirar pernadas com mais de seis centímetros de diâmetro. Quem sabe já tem a medida nos olhos não é preciso andar com o metro atrás.... Os antigos, à cortiça chamavam corcha e àquelas vasilhas redondas que se fazem para beber água chamavam cocharros, aos mais pequenos por onde há também quem beba aguardente de medronho, chama-se cocharrinho. Em muitas casas na serrra havia ao pé da infusa da água fresca, um cocharro e as pessoas em vez de pedir um copo de água pediam uma cocharrada. (...) O meu acompanhante que tem no seu curriculum, comprador de cortiça, participa animadamente na conversa e termina com esta adivinha: Qual é a coisa, qual é ela? Que se cada ano contar um mês Nove meses anda a mãe dentro da filha?» In Um Algarve Outro — contado de boca em boca (estórias, ditos, mezinhas, adivinhas e o mais...) , de Glória Marreiros (Livros Horizonte, 1991)
1 comentário :
Giríssimo! Que bonita esta conversa com o tirador de cortiça! Há afecto nela.
Alguém
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