A pérgula do rei do sabão
The Pergola - West Heath, Hampstead
A grande mancha arborizada de Hampstead Heath, a norte de Londres, é formada por várias secções de tamanhos diversos, separadas por rodovias e áreas residenciais. A maior de todas elas, e a única que consta dos roteiros turísticos, estende-se de Hampstead a Highgate; nela encontramos Parliament Hill com os seus papagaios de papel dominicais e a famosa vista do recorte urbano da City, e os bosques e jardins da Kenwood House. Esse pedaço de natureza incrustado na cidade, de tão extenso e variado, sempre me encheu as medidas, e nunca antes me sentira tentado a espreitar os retalhos adjacentes: julgava eu que essas sobras de Hampstead Heath seriam mais do mesmo em ponto pequeno.
Mas para tudo há uma primeira vez, e no fim de contas West Heath, um dos pedaços-extra mais acessíveis, começa logo depois de Hampstead: seguindo por Heath Street, fica a poucos minutos a pé da estação de metro. O ponto exacto é assinalado por uma bifurcação na estrada e, à nossa esquerda, por um edifício volumoso, em forma de paralelipípedo, caiado em tons claros: é o Jack Straw's Castle, que se gaba de ser, de entre todas as public houses de Londres, aquela que está situada a maior altitude (pouco mais de cem metros). Não pude ver o castelo por dentro: estava fechado porque nesse dia se celebrava o 1.º de Maio com o atraso da lei (que manda os feriados na Grã-Bretanha serem às segundas). Passando adiante, mergulhei num bosque denso de faias e carvalhos, que se abria, poucas centenas de metros adiante, numa clareira surpreendente, deixando ver um serpenteante edifício de tijolo vermelho encimado por colunas e rodeado por jardins e por um muro com gradeamento.
Esse edifício é afinal uma pérgula que se ergue a 4,5 metros do chão e, embora na verdade só tenha 244 metros de comprimento, aparenta ser interminável. É que, como os seus vários segmentos formam entre si ângulos rectos, não há nenhum ponto de onde a possamos abarcar na totalidade. Uma escada em caracol, a que se chega cruzando um jardim aromático, dá acesso à extremidade sul desse corredor panorâmico. O esforço da subida é recompensado pela vista elevada, embalada em silêncio, da massa compacta do bosque. Muitas e diversas trepadeiras se enrolam nas colunas - jasmins, madressilvas, glicínias (terceira foto), clematites, roseiras, vinha-virgem, botão-azul -, guarnecidas por uma profusão colorida de pequenas herbáceas (como a Corydalis lutea). À direita avista-se uma mansão apalaçada composta por várias alas e cercada por um jardim de grande efeito cénico: é a Inverforth House, que foi residência de várias fortunas colossais e hoje está dividida em apartamentos. A pérgula, com uma vegetação mais frondosa no seu troço final, é rematada por um balcão que se debruça sobre o Hill Garden (quarta foto): descemos dois lanços de escada e eis-nos chegados a essa pequena amostra do paraíso.
Como é que uma extravagância destas aparece no meio de um bosque, em jeito de ruína de uma civilização perdida? Um dos ricaços que morou na Inverforth House - e aquele que a completou na sua forma actual, embora na altura a mansão não tivesse esse nome - foi William Lever (1851-1925), primeiro visconde de Leverhulme, fabricante de sabões e detergentes, fundador da firma Lever Brothers, precursora da multinacional Unilever. A pérgula foi a solução para ligar as duas partes da propriedade sem ter o visconde de se misturar com os frequentadores do caminho público que a dividia e que ele não foi autorizado a vedar. Esse caminho, que atravessa uma arcada no edifício da pérgula, ainda hoje existe. A pérgula foi construída por fases, entre 1906 e 1925, e o seu proprietário poucos meses de vida teve para usufruir da obra já completada. Em 1960, a pérgula e o Hill Garden foram comprados pelo município de Londres - mas o restauro da estrutura, invadida que estava pela vegetação e em muito mau estado, só foi feito em 1995. Desde então, a pérgula está aberta a todos os que a queiram admirar.
The Pergola - West Heath, Hampstead
5 comentários :
Lindo. Obrigada, Paulo.
Até gostei do homem "que fazia bolas de sabâo"; e ainda hoje a sua descendente, multinacional e global como tudo, nos limpa! Impressionante ideia...e belíssima descoberta (porque é que me comovo? por existirem e se conservarem lugares destes que eu não conhecia...).
Obrigado, num infinito encore (há mais de 2 anos que vos agradeço!) Abçs
E eu que nas minhas idas a Londres nunca deparei com tamanho esplendor? Estou fascinado.
Mas que lugar tão fantástico , faz lembrar cenários de cinema em que nada é deixado ao acaso até ao mais ínfimo pormenor .
Se existe um pedacinho do paraíso na Terra, aqui está , por certo, um pedacinho dele...
Muito obrigada, Maria Carvalho e Paulo Araújo, por partilharem connosco, agora e sempre, o que maravilha os vossos olhos e enriquece a vossa vontade de saber, mais e mais, sobre o esplendoroso e extraordinário mundo da Botânica.
Um excelente e sempre merecido fim de semana!
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