Zero graus de longitude
Greenwich: Museu Marítimo com o Royal Naval College em fundo; edifício do Observatório
De todas as linhas (imaginárias, aprendemos nós na escola) que compõem a rede quadriculada em que o globo terrestre é geralmente dividido, só a posição do equador é ditada pela ciência e não pela convenção. Nenhum fenómeno geográfico ou astronómico obriga a que o norte apareça representado em cima e o sul seja relegado para baixo; e o meridiano de longitude zero poderia muito bem atravessar Pequim em vez de Londres.
Mas, como nos governamos por convenções, esses lugares que o arbítrio, o engenho ou o poder humanos elegeram como especiais acabam por exercer atracção inegável. Mesmo que o mundo já não acerte os ponteiros pela hora média de Greenwich, é emocionante entrar no observatório que alberga o deposto rei de todos os relógios. E, celebrando a ligação de Greenwich à história naval britânica, há a portentosa arquitectura neo-clássica dos edifícios do Museu Marítimo e do antigo Royal Naval College e a memória do veleiro Cutty Sark, ausente do seu cais para reconstrução desde que em 2007 um incêndio o destruiu.
Parque de Greenwich: bétula e castanheiros (Castanea sativa)
Talvez a melhor maneira de chegar a Greenwich, que fica na margem sul do Tamisa, alguns quilómetros a leste do centro do Londres, seja por um desses barcos turísticos que vi muitas vezes deslizar rio abaixo. Por um enguiço inexplicável, sempre que tentei, ao longo dos anos, usar a Docklands Light Railway (um serviço de metro inteiramente automatizado que serve Greenwich e a zona das docas), encontrei as estações fechadas e tive que me socorrer de outro transporte. De uma vez tomei um autocarro que me deixou em frente a Greenwich, mas na margem oposta; para completar a viagem, usei o túnel pedonal cavado sob o leito do rio. Desta feita, com a DLR fechada ao fim-de-semana para trabalhos de manutenção, optei pelo comboio. O regresso foi uma hora de autocarro pelos bairros mais inóspitos da margem sul.
Dos oito Royal Parks de Londres, o Parque de Greenwich, com os seus 74 hectares, será dos menos extensos, mas as vistas sobre o rio proporcionadas pelos seus dois morros mais do que compensam essa relativa pequenez. Não há, no Hyde Park ou no Regent's Park, nada que se compare a estes relvados vertiginosos rematados pela miscelânea urbanística da beira-rio, onde a regularidade da Greenwich histórica se confronta com os exuberantes arranha-céus de Canary Wharf, os sisudos edifícios de tijolo vermelho das docas e a futurista Millenium Dome.
Além das soberbas vistas, o Parque de Greenwich tem atracções intrínsecas de sobra. O maior destaque terá que ir para a dezena de castanheiros multicentenários dispostos em alameda: orgulhosos e de troncos possantes, prometem juntar muitos anos àqueles que já carregam. (Na foto ainda os vemos despidos, pois lá como cá os castanheiros são preguiçosos e as folhas só então começavam a despontar.) Há outras árvores muito bonitas, como as faias, tílias e carpas que acompanham, encosta acima, o formigueiro de visitantes do Observatório. Uma grande área ajardinada com rosas, azáleas e cedros conduz a um lago recatado. Mais adiante, para nosso repouso e sustento, funciona uma cafetaria com esplanada - onde, apesar da melhor das boas vontades, não fiz mais que debicar a medo um alegado quiche de legumes.
1 comentário :
Acho que demos - nós - uma cambalhota no espaço, pelo menos na latitude que nos diziam "clima temperado". Fascinante lugar onde parece que o tempo começa e o nome explica. Aliás e não sei por que "alegado" amor, parece-me que "me começo" onde todos os lugares sussurram o cuidado com a Natureza e com a Vida, passada ou futura.
Lindo de ver e saber, este vosso ano, mais deambulatório...
Abçs
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