Emparedados
«Como índice do curso dos dias resta ao emparedado o ritmo de duração dos dias e das noites, - pouco mais. É preciso ir ao campo para ver no álamo nu e na regueira barrenta da quelha a alma do Inverno, no carrapiteiro em flor a Primavera que viça, nas palhas o ardor do Verão, nos estendais de fruta o Outono que pinta os poentes. Depois, a falta de silêncio nas cidades não deixa captar os pequenos murmúrios da paisagem, nem a gasolina queimada deixa aspirar os cheiros da terra seca ou húmida. O aquecimento e as ventoinhas metem o Verão pelo Inverno dentro e o fresco pela canícula. Na ânsia de fabricar um meio físico constante, o homem urbano apaga em volta de si a natureza, e depois mal dá por ela... Quando se lembra que ela existe tenta refazê-la à volta. Mas, se lá vai, acontece-lhe às vezes que já a não sabe entender, - e tem de voltar ao sabonete FLORES DE MAIO, ao jardim de Inverno ou à estufa fria...
Na nossa perpétua reeducação natural pela excursão e pelas férias, ver as sebes em flor e as vinhas rebentadas é estranho. Custa muito a entrar numa relação normal com este carro de bois que leva uma carrada de mato ou com este bando de pássaros que se alapam num freixo para cantarem e dormirem.»
Vitorino Nemésio, O retrato do semeador (texto de 1950)
6 comentários :
Olá amigos
Não estou a escrever diariamente no BioTerra, mas darei sempre o meu contributo à natureza em (quase) tudo o que faço e respiro!
Um grande abraço fraterno para todos!
belo texto e que verdade
Muito interessante este blog, gosto muito. Belos textos! E a graça de Vitorino Nemésio...
Alguém
A graça, a força, a justeza... Até do próprio homem tenho saudades. Como gosto dele! M.
«-Que é que vais fazer hoje?
-Alapar-me num freixo...»
Ai de eu pudesse!
;-))
se se se se se
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