A minha casuarina
Conheço-a desde que começou a arrebitar a flecha acima da vegetação rasteira que forrava o local. No terreno onde despontou havia, até há poucos anos, uma ilha e algumas hortas cultivadas. A ilha foi demolida e sobraram, à face da rua (ou melhor, à face do beco), duas casas abandonadas que vão servindo de abrigo e infantário a sucessivas gerações de gatos. As hortas foram terraplanadas, mas preservaram-se as árvores: plátano, sequóia, palmeira-das-canárias, ligustros, ácer, figueira, nespereira. Desde 1999 que o local serve de estaleiro para a construção do túnel rodoviário Ceuta/Carregal - mas, nos dois ou três anos em que a obra foi interrompida, o terreno esteve desocupado: foi nessa altura que ela nasceu.
Não veio ao mundo em berço de ouro, e os seus pais, moradores no desprezado Jardim do Carregal, viviam (e vivem) tempos difíceis. O vento arrastou a semente para o terreno temporariamente abandonado, onde ninguém passou para calcar o rebento. Quando as máquinas regressaram para limpar a vegetação e reconstruir o estaleiro, eu já a conhecia e saudava todas as manhãs. E não tive dúvidas, nessa manhã de Julho de 2003, de que a escavadora iria trucidá-la tal como fez ao mato rasteiro. Tomei banho à pressa e corri até ao local. Disse aos trabalhadores que estava ali uma jovem árvore, muito bonita, que quando crescesse ficaria como as do Jardim do Carregal. E não é que eles a pouparam? Gente boa, afinal.
Passaram-se catorze meses, e vejam como ela está crescida: tem quase a altura de dois homens, endireitou a espinha, e dispensou a muleta. (É verdade: os trabalhadores até tiveram a delicadeza de a apoiar com um tutor.) Não vegeta num jardim requintado: em vez de um palácio, tem atrás de si um dos barracos do estaleiro; nasceu sem eira nem beira, e o seu futuro é incerto. Mas, numa cidade quase toda betonizada e asfaltada, a sua existência é pouco menos do que milagrosa: uma lembrança do poder regenerador de uma natureza que temos feito regredir quase até à extinção.
Nota. A Casuarina equisetifolia é uma árvore australiana, de folhagem peculiar (folhas reduzidas a escamas, que cobrem como uma bainha verde os raminhos cilíndricos, filiformes), usada entre nós como árvore ornamental. É resistente aos ventos marítimos e por isso apropriada para regiões costeiras.
9 comentários :
Obrigada pela visita ao blog «O Sabor das Palavras» (http://osabordaspalavras.blogs.sapo.pt), e muitos parabéns por este lindo espaço (que eu já linkei lá pelos meus domínios). Hoje não tenho muito tempo, mas virei mais vezes... até porque aqui se sente uma frescura que até descansa a alma. Até breve. Ermelinda
A casuarina do Paulo, tão pequenina, abriga o nosso diálogo. Não se deve(m) importar...Também eu gostei de visitar o Sabor das Palavras que encontrei à procura de 'Cancioneiro Popular'. Até breve, então.
Manuela
Gostei muito deste 'post'.
André (http://observador.weblog.com.pt)
´Juro que estou curiosa... Com este ritmo de crescimento, aonde irá parar??? A informação que recebi naquilo que li foi total... Nada conecia acerca desta árvore! :)
comovente.
vitorsilva
no.weblog.com.pt
"Gente boa, afinal." Claro que é gente boa, tal como muito boa gente que não hesita em pisar uma aranha, ou esmagar ...
Calhou! Não estás a pensar em transplantá-la? Ou achas que nesse local tem alguma hipótese de viver mais uns anitos?
Pois calhou... Não é todos os dias que praticamos a nossa "boa acção" - e, quando o fazemos, amealhamos crédito para descontar nalguma malfeitoria. Quanto ao transplante, não tenho para onde, mas é bem provável que a casuarina sobreviva se o terreno (pertença da UP) ficar novamente desocupado quando terminar a construção do túnel.
Pois aqui em certas zonas do ribatejo onde a terra é muito argilosa não cresce.Creio que não se dá em terrenos muito acidos.Engraçado saber estas coisas ,não?Eu acho super interessante.annie hall do outsider.
Olá
Gostei muito do seu blog e por isso gostaria de uma orientação :
A raiz da Casuarina equisetifolia é grande e destroi muros etc? Pq gostaria de planta-la perto de um muro para que minha casa nao ficasse tao devassada
Obrigada aguardo resposta
IARA
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