Rezo, dobrado, aos Anjos da manhã.
O céu é fosco e o coração sonoro
Como a chuva que cai na telha vã
E o verbo com que imploro.
Terra de lume implanta
O meu corpo de velho
Enrolado na manta.
As minhas mãos estão postas ou podadas?
Sou gente ou vide?
O chão, com minhas folhas amontoadas,
Do Inferno me divide.
Mas rezo sempre, como o fio da fonte
Teima na rocha viva ao mar virada
Na esperança de que um cântaro desponte
E o apare ainda - ou a covinha breve
Que, tremendo o queimor da água salgada,
Ele próprio em pedra abriu
Como na terra leve,
Ajudado dos álamos, o rio.
Vitorino Nemésio
"Terra de Lume", in O Pão e a Culpa (1955 )
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