Um de vós será coroado rei
Alertados por um emissário madrugador, chegámos ao local antes de subir o pano, e por isso as fotos saíram com a cor errada: em vez de verde-alface ficaram pintadas de amarelo-torrado, tom da folhagem embrionária dos carvalhos de Valinhas. Tal precipitação impõe-nos o grato dever de, no papel de inspectores cromáticos, lá voltarmos daqui a duas ou três semanas. É importante mantermos vigilância assídua nas regiões demarcadas do verde-alvarinho, cor ameaçada pela omnipresença estéril dos eucaliptais. Não é só a cor que desfalece na paisagem ao transpormos, em Valinhas, a vereda que separa a pequena mata de carvalhos dos infindáveis hectares de eucaliptos: desaparecem as flores silvestres mas também se apagam os sons dos pássaros e da água a correr.
Um dos carvalhos de Valinhas, não sabemos se o mais forte ou o mais sábio, é por assim dizer o rei do carvalhal: foi declarado de interesse público em 1940, destacando-se dos seus companheiros pelo título nobiliárquico; mas, como não usa ceptro nem coroa, não é fácil distingui-lo dos seus súbditos. É um rei à feição daquelas monarquias avançadas como a Holanda ou a Dinamarca, onde príncipes e plebeus convivem igualitariamente em transportes públicos e filas de supermercado. Nem sequer sabemos se o carvalho-rei ainda vive ou se, por limite de idade, abdicou em favor de algum descendente. Mas o mais provável é que se mantenha no posto: 67 anos é pouco para um carvalho reinar, tanto mais que a sua colega de profissão, Isabel II de Inglaterra, pertencente à bem menos longeva espécie humana, há já 55 que ocupa o trono.
4 comentários :
Oh, Paulo, é um gáudio enorme poder lê-lo! Vejo que a sua experiência britânica o mantém fresco e incisivo no seu humor. Quantos "Carvalhais", terras de nome, apenas, por esse Portugal adentro, jazem em sepulturas, e somente o nome relembra quem eram os reis e a família real respeitada e reinante. Eu próprio moro entre um "Carvalhal de Pussos" e um "Vale da Aveleira". A aveleira, nunca a encontrei. Os carvalhos, que restaram, são como as famílias monárquicas depostas: definham e existem na sombra da democracia das massas: os eucaliptos. Mas a natureza vinga-se. E ela não é mansa quando se enfurece e pega fogo. Mesmo em incêndios por mão criminosa humana, as populações estariam protegidas se se rodeassem de bosques frescos e florestas autóctenes, tampões naturais para um mal que está quase, quase, a chegar. O verão quente é já daqui a 3 meses.
É um regozijo ver um bosque, uma floresta viva, como esta.
Obrigado, Alexandre. É verdade, as pequenas bolsas de floresta autócotone que subsistem aqui e ali são das coisas mais preciosas e mais frágeis que temos. E faltam três meses para os eucaliptais se transformarem em autênticos paióis; nada do que está à sua volta ficará seguro. Entre o fim do campeonato de futebol e a volta a Portugal em bicicleta, já não passamos sem a época de incêndios.
O diálogo de beleza, lúcida! Era preciso que isto fosse notícia da 1ª página... Abç
Adorei mesmo esse blog aqui!
beijos e beijos e até breve
fotos e textos ótimos
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