10/05/2008

Sem pinta nenhuma


Cistus ladanifer

As estevas (Cistus ladanifer) fazem casa em todo o território continental português, desde o plácido litoral algarvio ao acidentado relevo transmontano. Mas será mesmo todo? Há um vazio no mapa que começa a sul do Douro e abrange boa parte do Douro Litoral e toda a província do Minho: aí não chegaram as estevas. Mesmo esta asserção, contudo, exige ser corrigida. Há estevas nos taludes das auto-estradas poucos quilómetros a sul do Porto; como a que se vê na foto, marginando o nó de Esmoriz da A29.

O fenómeno tem contornos conhecidos: as estevas nortenhas, à semelhança do que sucedeu com as populações humanas, iniciaram um movimento migratório em direcção ao litoral. Não estou certo de que o tenham feito da melhor maneira. Iludidos por algum promotor sem escrúpulos, o lugar que estes primeiros migrantes escolheram para fixar residência deixa muito a desejar, tanto no que toca às condições objectivas do presente como às perspectivas futuras. Uma habitação de sonho entre os bosques e o mar, idealmente situada com bonitas vistas e esplêndidos acessos, muito perto de Espinho com as suas praias e o seu requintado Casino, apenas a vinte minutos do Porto e dos grandes Shoppings. Foi isso que lhes venderam; porém, a realidade é outra. A vista só alcança asfalto, separadores, viadutos, postes de iluminação e matas de eucaliptos; do mar tão perto, mas tapado por cerrada cortina de árvores, não chega sequer um sopro de brisa salgada; e as plantas, agarradas ao chão, não tiram partido dos fáceis acessos nem se propagam mais velozmente na vizinhança de uma via rápida. Pior ainda: quando alargarem a auto-estrada, coisa inevitável mais tarde ou mais cedo no país do asfalto, as adventícias estevas e toda a sua hipotética descendência não só perderão a casa como serão dizimadas no processo.

Já se ouvem vozes desiludidas entre as estevas do nó de Esmoriz. Terão feito bem em deixar o aconchego modorrento da terra natal? Em troca de quê? Isto ainda é pior que Vila d'Este, não tem mesmo pinta nenhuma, murmuram. E as estevas, acabrunhadas pela desdita, deixaram de dar flores com pinta.

4 comentários :

Anónimo disse...

Adorei o seu texto. O paralelismo que faz entre o vegetal e o humano, personificando e animando as estevas, inscrevendo-as num processo migratório, tão aventureiro quanto frustrante, está magnífico.
Sigo o seu blog com regularidade e gosto.
Cumpts
António

Paulo Araújo disse...

Obrigado, António, pelas palavras simpáticas.
Saudações,
Paulo

Anónimo disse...

As estevas são também mencionadas quando alguém que esteve fora algum tempo regressa à terra, e perante os que ficaram recebe o seguinte comentário"Então? Já não conheces as estevas?"

Anónimo disse...

No norte ainda há estevas,tenho-as no meu jardim.As vossas lições são muito rápidas mas mesmo assim é um prazer ver este blog e tenho aprendido a estar atenta as plantas selvagens que sempre cresceram no meu jardim.Muitas das variedades aqui apresentadas as tenho por lá.

TRAÇO