A natureza no jardim
Festival de Jardins - Ponte de Lima
Sou avesso àquela arte que, em prolixos textos de apoio, «questiona», «faz reflectir» ou «põe em causa»: não só porque tais lucubrações teóricas, em geral infestadas de chavões e redigidas em mau português (ou seja em que língua for), parecem servir para disfarçar insuficiências artísticas, como também porque, no estado de irrisão que a arte atingiu, já não restam ortodoxias para combater. Se não há paradigmas artísticos, como pode alguém, na sua arte, «questionar» ou «pôr em causa» o que quer que seja? Mas, por outro lado, a arte pode abrir-se ao mundo, e dirigir o seu questionamento já não a si própria mas à sociedade em geral; torna-se então arte comprometida, e tem por missão «fazer-nos reflectir». É sabido, porém, como o peso da mensagem a transmitir pode obliterar a componente artística, e como o activismo político ou social tantas vezes tem servido para suprir défices de talento.
Vem isto a propósito do Festival de Jardins em Ponte de Lima: a 4.ª edição abriu em 30 de Maio e vai até final de Setembro. Tal como na 3.ª edição, os concorrentes tiveram de respeitar um tema, que desta vez foi «Energias no Jardim». Em quase metade dos casos, a «mensagem» é de tal modo ostensiva e panfletária que esmaga qualquer ideia de jardim. A arte dos jardins, como todas as outras, não se faz só de boas intenções, e não basta encenar em ponto grande simples cartazes ou slogans. Os piores exemplos do género são os jardins Orange Power (que consiste em milhares de laranjas de plástico dentro de uma cerca de madeira) e 3,9 x 10^24 Joule (onde apenas se vê esse número escrito em algarismos gigantes). Mas há excepções: jardins que valem por si próprios, e que podem ser apreciados independentemente da mensagem que lhes quiseram incorporar. Os que mais me agradaram foram os dois das fotos: em cima Bathe in Energy Flow, de Tokiko Furuuchi, e em baixo The Orange Fuel Grove, de Flavia Goldsworthy. No segundo há um túnel intermitente e contorcionista, formado por cordas esticadas sobre uma armação de ferro, rodeando um pomar de laranjeiras com o solo revestido pelas plantas silvestres da região. Essas mesmas plantas bordejam, em jeito de prado, o tanque recortado por passadiços de madeira que constitui o centro do primeiro jardim. Talvez por coincidência, ambas as criações nos dizem que há tanta beleza no que é espontâneo como no mais rebuscado dos jardins - verdade essa que, em Ponte de Lima, podemos comprovar facilmente passeando pelas margens do rio.
Conclusões? Não tenho dúvidas em recomendar a visita ao festival, embora não gostasse de tudo quanto lá vi. Mas julgo que a subordinação dos projectos a um tema único se tem revelado mais um espartilho e uma armadilha do que uma fonte de inspiração.
Festival de Jardins - Ponte de Lima
2 comentários :
Saúde-se que apesar de tudo "se pense em jardins"!!! Tal como ano passado, terão um aspecto didáctico que será interessante para crianças e jovens. Lá irei, pelos caminhos românticos da imaginação, em busca da tal naturalidade que pouco precisa para ser encantadora. Estes dois, assim parecem!
Abçs
Julgo que este evento é um acontecimento atraente para quem tiver vontade de experimentar soluções alternativas ao jardim tradicional. É por isso razoável que a imagem do “Jardim” esteja um pouco transfigurada.
Uns gostam outros não, mas o que me parece interessante é que vai mexendo.
cumprimentos
João Pestana
um dos autores do jardim J2 L2=10
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