01/02/2010

Dama e vagabunda

Bellis perenis L.


Uma vez por mês lá vêm aparar o relvado à volta do edifício onde trabalho. É uma das duas únicas tarefas, ambas inúteis ou mesmo perniciosas, que estes presumíveis jardineiros sabem cumprir. A outra é pegar na motosserra e decepar todas as árvores e arbustos que lhes apareçam pela frente. O zumbido insistente do corta-relva obriga a fechar portas e janelas, o que no tempo frio não é grande incómodo. Irrita é ver um relvado espontaneamente florido transformar-se num monótono tapete verde. Mas as plantinhas são insistentes e, mal o artista acaba de desligar a máquina, já elas começam a preparar nova amostra floral, não menos colorida nem menos abundante do que a anterior.

Quem protagoniza esta vida aos solavancos, num permanente recomeço, são as boninas, ou Bellis perenis como é sua designação científica. As suas flores, que enfeitam gratuitamente prados e relvados, são o arquétipo da margarida ou malmequer, designações imprecisas que, como já aqui explicámos, podem abarcar dezenas de espécies diferentes. Por índole e também por não lhes ser concedido muito tempo para crescerem, as boninas são plantas rasteiras: as folhas dispõem-se em roseta basal, e as inflorescências, com centro amarelo e pétalas brancas por vezes tingidas de lilás, encimam hastes de não mais que 10 cm de altura.

Houve quem pusesse os olhos na vagabunda Bellis perenis e adivinhasse nela um potencial inexplorado. Com umas lições de etiqueta e a ajuda de trajes requintados, poderia frequentar os mais selectos jardins sem destoar das outras flores com pretensões fidalgas. A metamorfose desta Eliza Doolittle vegetal, depois de ter migrado dos campos para os viveiros e de ter sido submetida a cruzamentos selectivos, está em parte documentada nas fotos acima. Mas esse é só o início da história. À medida que a vida na alta roda lhe apagava da memória a existência plebeia, foi-se enchendo de folhos e atavios a ponto de ficar irreconhecível. Tanto assim que hoje muita gente prefere, às versões postiças, a simplicidade fresca das boninas silvestres.

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