16/09/2011

Segredos do souto


Epipactis fageticola (C. E. Hermos.) Devillers-Tersch. & Devillers
Daniel Tyteca já a tinha avistado em Vinhais, no interior do Parque Natural de Montesinho, e publicado a descoberta em 1999, como uma nova espécie para a flora portuguesa. Identificou-a como Epipactis phyllanthes G.E. SM., e é assim que João do Amaral Franco & Maria da Luz da Rocha Afonso a referenciam, em 2003, no fascículo III do volume III da Nova Flora de Portugal. Porém, um trabalho de investigação publicado em 2001 por Gévaudan, Lewin & Delforge (no n.º 82 da revista Naturalistes Belges) mudou todas as populações portuguesas conhecidas de E. phyllanthes (e quase todas as peninsulares) para a espécie E. fageticola, justificando a transferência com detalhes morfológicos e genéticos. Numa visita recente a Portugal, Tyteca proferiu uma palestra no âmbito das actividades da Associação de Orquídeas Silvestres — Portugal, tendo então referido a existência da planta também na Beira Litoral e na Beira Alta. Mas nós não sabíamos de nada disto e, por isso, foi grande a emoção de observar, quase em primeira mão, uma orquídea tão rara em Portugal.

Aconteceu no dia em que fomos à serra da Estrela ver a Campanula herminii. Depois de admirarmos os «cântaros» e de muitas pausas para fotografar, os nossos companheiros de passeio propuseram que procurássemos uma população de Epipactis no Souto do Concelho, em Manteigas, local onde abundam faias, castanheiros e lariços. Havia indicação precisa do lugar onde procurar, mas, tratando-se de orquídeas de porte diminuto, que pedem sombra e solos humedecidos, um pequeno desvio nas coordenadas registadas pelo GPS poderia frustrar a busca. Ah, mas nós estávamos bem acompanhados. E não hesitámos em desabar encosta abaixo, rompendo pela mata, quando o Francisco Areias nos chamou jubilosamente: tinha encontrado, junto a uma linha de água, uns dezasseis exemplares de Epipactis. As flores eram estranhas: verdes, de hábito pendente, com um lábio branco saliente, cordiforme, parecido com as pétalas, além de uma bolinha amarela a resguardar o pólen. Tratava-se, sem dúvida, da E. fageticola. Não fossem os mosquitos (ou seriam polinizadores?) a banquetearem-se à nossa custa, e suspeito que só depois de o sol se pôr, pelo receio infantil que o Capuchinho Vermelho nos ensinou, teríamos deixado aquele lugar sombrio que de repente se tornara tão admirável. Duas semanas depois ficámos a saber não serem estas as plantas que o Alexandre Silva (CISE) mencionara à Luísa e ao Joaquim; essas são de outra espécie, E. helleborine — além destas espécies, em Portugal só existem mais duas, a E. tremolsii e a E. lusitanica (que talvez não passe de uma subespécie ou variedade da anterior).

Segundo P. Delforge (Orchids of Europe, North Africa and the Middle East, 2006), a E. fageticola ocorre em França, Espanha, Suíça e Portugal, sendo extremamente rara na Península Ibérica. Apesar de, como é comum no género Epipactis, optar frequentemente pela auto-polinização e muitas flores nem se darem ao trabalho de desabotoar — ainda que a presença de pequenos nectários indique que elas não desistiram de tentar a polinização cruzada.

3 comentários :

Francisco Clamote disse...

A descoberta é caso para lhes endereçar parabéns.

Maria Carvalho disse...

Obrigada, mas foi sorte.

Carlos Aguiar disse...

Muito interessante! Vi-a pela primeira vez há três anos atrás na Serra de Nogueira na margem de um pequeno curso de água, sob a sombra, e que sombra, de Q. pyrenaica. Há sempre qualquer coisa para aprender nos vossos posts. Não parem pf.