15/09/2015

Perfume de Verão



Magydaris panacifolia (Vahl) Lange


Como um comerciante que mantém a loja aberta por ser essa a sua vida, e tem que garantir aos seus clientes que o mais recente produto para venda é uma maravilha e o melhor de sempre, mas sem desfazer dos produtos não menos extraordinários que antes vendeu aos mesmos clientes — também nós nos vemos compelidos a anunciar que esta é a nossa melhor umbelífera de sempre. Macia ao tacto (quase a diríamos aveludada), elegante no porte, disseminando um perfume de baunilha que evoca inocentes prazeres de Verão, a Magydaris panacifolia (que não tem nome em português) gratifica-nos os sentidos sem pedir nada em troca. Contudo, talvez o júri para a atribuição do prémio de beleza, picuinhas como é sua obrigação, faça reparo às folhas por destoarem do conjunto: são muito grandes, sobretudo as basais, desenhadas a traço grosso e não finamente divididas como é típico das umbelíferas; na textura, cor e nevação fazem lembrar as couves dos nossos quintais. Como atenuante há o facto de em meados de Julho, quando se dá o auge da floração, as folhas basais estarem em grande parte secas; e de, no resto do ano, essas folhas tão peculiares e inconfundíveis nos alertarem para a existência da planta, convidando-nos ao regresso na estação certa. Tudo ponderado, o júri poderá confirmar o favoritismo da Magydaris panacifolia, mas talvez a obrigue a partilhar o degrau mais alto do pódio com (pelo menos) uma dezena de outras umbelíferas.

Foi por lhe termos visto as folhas em Abril de 2014 que regressámos a Campo de Víboras (Vimioso) no Verão do ano seguinte. A julgar pelo mapa de registos no portal Flora On, a Magydaris panacifolia distribui-se, no nordeste do nosso território, por uma faixa de 30 ou 40 Km de largura ao longo da fronteira, mas no sul do país, onde é mais frequente, já se aproxima da costa. A sua predilecção por climas mediterrânicos reflecte-se na distribuição global: Península Ibérica, Marrocos, Argélia e Tunísia. A Flora Ibérica atribui-lhe uma preferência por lugares secos e terrenos baldios que, à primeira vista, não é corroborada pelos prados sombreados por freixos onde a encontrámos. Mas entre as duas visitas o lugar tinha-se transformado: as valas que irrigavam a frescura primaveril dos prados tinham secado, o verde convertera-se num amarelo de palha, o calor era sufocante já em meados de Julho.

Na falta de elementos de comparação nas fotos, é útil informar que a Magydaris panacifolia é uma planta robusta e de estatura respeitável, podendo atingir ou mesmo ultrapassar os 2 metros de altura. Ramificada, exibindo numerosas umbelas floridas, cada uma com vinte a trinta raios, é quase tão vistosa como a canafrecha (Ferula communis), outra umbelífera que abundava em Campo de Víboras. Para não roubar protagonismo à vizinha, a canafrecha tinha florido mais cedo. É que não valia a pena entrar em disputas azedas, pois no nosso pódio há lugar para todas.


Campo de Víboras — Julho de 2015 (veja aqui foto do mesmo prado em Abril de 2014)

3 comentários :

ZG disse...

Bela planta, num sítio maravilhoso!

Anónimo disse...

Boa tarde. Não sei se, ao passarem em Vimioso, fizeram o percurso Vimioso-Carção (que faz parte da ligação Vimioso-Bragança), no vale do rio Maçãs. A minha questão prende-se com a canafrecha. Ela tem algum pendor de invasora? É que precisamente nesse local, nas encostas e escarpas que ladeiam o rio e a estrada, tenho a ideia (embora não tenha dados mensuráveis que o possam afirmar) que a canafrecha, ou outra umbelífera muito semelhante, tem aparecido e aumentado o seu número a olhos vistos, coisa que há uns anos não me parecia acontecer.

Haverá uma causa provável?

Obrigado desde já e parabéns pelo vosso trabalho.

Paulo Araújo disse...

Sim, percorremos essa estrada e vimos como a canafrecha (Ferula communis) é frequente nos taludes. Não sei explicar esse aumento que diz ter observado nos últimos anos, mas é certo que a planta gosta de lugares pedregosos, e esses taludes parecem ter sido feitos de encomenda para ela. Não me parece, contudo, que haja motivo de preocupações, pois trata-se de uma planta nativa, em equilíbrio com o meio, ocupando o habitat que lhe é próprio. Não é por causa dela que as outras plantas deixam de aparecer, e aliás esses taludes têm uma flora muito rica e interessante. O termo "invasor" é, por regra, reservado às espécies exóticas que se multiplicam sem controle em espaços naturais e que ocupam o espaço das plantas nativas. Mesmo quando uma espécie nativa é muito abundante, não é muito adequado chamar-lhe invasora. Por exemplo, por terras de Vimioso o rosmaninho (Lavandula pedunculata) e a giesta-branca (Cytisus multiflorus) ocupam extensas áreas, e são muito mais abundantes do que a canafrecha, mas ninguém se lembraria de lhes chamar invasoras. Que me lembre, por cá a única planta nativa que muitas vezes se comporta como invasora indesejável é o feto-ordinário.