Micromeria varia subsp. thymoides (Sol. ex Lowe) P. Pérez [= Satureja thymoides; Micromeria thymoides]
Eis um arbusto cheio de dúvidas quanto à sua identidade. Ou talvez o problema não seja dele, mas dos botânicos que o estudaram — pois já Shakespeare lembrava que
"a rose by any other name would smell as sweet". E é apropriado começar pelo perfume, que por ser débil ou inexistente impede esta lamiácea de ser tida como um tomilho, apesar de o seu aspecto geral afiançar o contrário. De facto, as suas folhas pequeninas e de margens reviradas fazem irresistivelmente lembrar as do
T. carnosus ou do
T. camphoratus; e o seu porte rasteiro e as suas minúsculas flores (5 a 6 mm de diâmetro) parecem, à primeira vista, cumprir todos os requisitos do género
Thymus. Contudo, o défice aromático é imperdoável e, se prestarmos atenção, notamos que as flores não têm os estames e estigmas salientes que caracterizam as dos tomilhos (os dentes do cálice também são mais curtos do que é aceitável). Ainda assim, a semelhança é tão vincada que justificou o uso do epíteto
thymoides na primeira descrição publicada desta espécie, por Richard T. Lowe, em 1833 (
Transactions of the Cambridge Phlosophical Society,
vol. 4).
Descartada a hipótese
tomilho, que dizer do
hissopo? Indicam as fontes consultadas que é esse o nome vernáculo dado a este endemismo do arquipélago da Madeira. Considerando que é ele frequente na Madeira e no Porto Santo e, embora sem usos culinários, exibe boas aptidões ornamentais, não custa por uma vez aceitar que o "povo" o conhece ou conheceu por esse nome. Sucede que
hissopo é o nome legítimo de uma planta de origem mediterrânica (
Hyssopus officinalis) que não é espontânea nem em Portugal continental (sendo-o porém em Espanha) nem nas ilhas, mas foi cultivada historicamente para fins medicinais e como erva aromática. É sabido como, confrontados com ervas, arbustos e árvores que desconheciam quando ocupavam novos territórios, os portugueses (e europeus em geral), inspirando-se em parecenças nem sempre evidentes, os baptizaram com os nomes que traziam de casa. E, há que admiti-lo, a semelhança entre o hissopo madeirense e o
hissopo tradicional não é das mais conseguidas.
Explicar a oscilação entre
Micromeria e
Satureja, os dois géneros muito próximos nos quais esta lamiácea tem sido alternadamente incluída, obriga-nos a considerar algumas subtilezas morfológicas. De acordo com a
Flora Iberica, as espécies de
Satureja têm folhas planas ou dobradas longitudinalmente, e nunca apresentam as margens revolutas que são regra nas
Micromeria; e há também diferenças, embora de pouca monta, no cálice (10 a 13 nervos longiudinais nas
Satureja, 13 nas
Micromeria) e no lábio inferior da corola (pintalgado com máculas mais escuras na
Satureja, de cor uniforme na
Micromeria).
Se este hissopo das ilhas parece agora firmemente estacionado no género
Micromeria, já a sua circunscrição específica não logrou ainda o consenso. A
checklist da flora de Portugal chama-lhe
Micromeria thymoides, considera que é endémica do arquipélago da Madeira, e até a divide em duas subespécies. Outras fontes consideram-na uma subespécie da
M. varia, espécie que se distribui pelos arquipélagos da Madeira e das Canárias. Chamam-lhe então, a exemplo do que se faz
neste portal,
M. varia subsp.
thymoides, mas conservam-lhe o estatuto de endemismo madeirense; ou vão um passo adiante, como fazem os nossos
amigos espanhóis, e identificam-na com a
Micromeria varia subsp.
rupestris, que ocorre igualmente em duas ilhas das Canárias (as restantes cinco subespécies reconhecidas pelo portal
Anthos seriam endémicas de diversas ilhas das Canárias).
Seja qual for o nome, é a mesma doce ausência de perfume que alegra os olhos de quem, desde a costa até aos picos mais elevados, a vê florir na Madeira e no Porto Santo.