Orquídea pálida
Os jornais anunciaram há dias a descoberta, em local longínquo do universo, de planetas talvez parecidos com a Terra, mas que têm órbitas muito mais demoradas em torno dos respectivos sóis. O movimento de translação desses planetas à volta das suas estrelas leva centenas de anos terrestres a completar-se. Se nos tivesse calhado uma dessas Terras, poderíamos viver toda a vida na Primavera. Claro que também haveria o risco de só conhecermos o Inverno; ou de termos de suportar o imortal cansaço de Verão. Imaginemos, porém, um cenário eternamente florido. Um regalo, sim, mas teríamos de abrir mão da alternância de estações e de paisagens, das migrações dos bandos de pássaros, do ritual de hibernação dos ursos, da luz do Outono, da folhagem nova dos carvalhos, do assombro num campo amarelo de narcisos, de muita arte e ciência. E também não existiriam as plantas que, no rigor do Inverno, se recolhem ao subsolo reduzidas a um bolbo — uma cebolinha que, misteriosamente, guarda intacto o programa para gerar sem erro novas folhas e flores meses depois.
Felizmente, vivemos numa Terra caprichosa e apressada, onde inúmeras espécies se adaptaram às mudanças tornando-se perenes, embora dependentes do ninho onde se resguardam quando a neve e a penumbra lhes cobrem o torrão. Como esta orquídea de prados alpinos e bosques de montanha que vimos em Fontibre, na Cantábria, e reencontrámos em Somiedo, nas Astúrias, e que, ao primeiro olhar, quase confundimos com a Dactylorhiza sulphurea.
Desconfiámos da identificação pelo porte bem mais robusto (cerca de 50 cm de altura) da orquídea do norte de Espanha, pelas 4 a 6 folhas grandes, brilhantes e não maculadas, como as das Barlias, pela ausência de brácteas que entremeiam a inflorescência e por as flores terem o capuz pálido, quase branco. Na verdade, pertence até a outro género, Orchis, mas o engano é desculpável: descrita em 1771 por Lineu com o epíteto pallens, foi rebaptizada em 1825 por John Sims como Orchis sulphurea. Há, porém, outro equívoco, desta vez benéfico, associado a esta orquídea: apesar de não ter néctar para oferecer, é polinizada por abelhas que, atraídas pelo perfume e coloração das flores, julgam que estão a visitar outras plantas com floração semelhante e que são nectaríferas. O mais curioso é que o logro continua a funcionar mesmo quando as plantas que esta orquídea imita não estão presentes. Naturalmente, um tal estratagema exige astúcia e impõe alguns constrangimentos: a orquídea tem de conviver no mesmo habitat do modelo, com necessidades climáticas e ecológicas idênticas; precisa de começar a florir mais cedo para conseguir ludibriar mais polinizadores antes de eles encherem a barriga nas plantas com néctar; e tem de se manter em flor por um período mais longo para poder beneficiar de mais instâncias em que o logro resulte. O ardil é um achado pois, apesar de localmente a Orchis pallens ser rara, a sua distribuição inclui quase todas as grandes cordilheiras montanhosas da Europa.