15/12/2018

Macho desdentado


Dryopteris oligodonta (Desv.) Pic.-Serm.


A própria etimologia da palavra sugere que os fetos do género Dryopteris (que designamos por fetos-machos) só aparecem, ou aparecem preferencialmente, onde existem aquelas formações vegetais a que chamamos bosques. Um bosque é dominado por árvores de tamanho respeitável, enquanto que os matos são formados pos arbustos de crescimento rápido e igualmente rápida combustão. Contudo, mesmo tendo apenas em conta as espécies europeias, a ecologia destes fetos é de facto mais diversificada: nem sempre o bosque faz falta, e o mais importante parece ser um elevado grau de humidade ambiental — um requisito que, a latitudes mais meridionais, só os verdadeiros bosques costumam satisfazer. Nas Canárias e na Madeira, os bosques típicos mais bem formados são os da laurissilva, que (como o nome indica) é composta sobretudo por lauráceas, mas alberga também outras folhosas perenifólias. O carácter da floresta laurissilva nos dois arquipélagos é diferente: a da Madeira é muito mais húmida, com árvores de maior porte; nas Canárias, algumas urzes arbóreas integram-se no coberto vegetal quase em pé de igualdade com as lauráceas.

É por isso que os fetos-machos são na Madeira muito mais abundantes do que nas Canárias. Na primeira ocorrem quatro espécies (Dryopteris aemula, D. affinis, D. maderensis e D. aitoniana), todas elas fáceis de obsevar na laurissilva e às vezes também em plantações florestais. Nas Canárias estão igualmente assinaladas D. aemula e D. affinis (a primeira só em La Gomera, a segunda em La Gomera e Tenerife), a que se juntam duas espécies adicionais: D. guanchica (La Gomera, El Hierro e Tenerife) e D. oligodonta. Com excepção da última, todas estas espécies são muito raras no arquipélago. A D. oligodonta, por seu turno, é uma componente usual da laurissilva de Anaga, em Tenerife; e, a julgar pelos mapas de distribuição no portal Anthos, o mesmo deverá suceder na laurissilva das outras ilhas. Só não aparece nas duas ilhas mais áridas, Lanzarote e Fuerteventura, onde a própria laurissilva não teve condições para se instalar.

O feto-macho ilustrado nas fotos, Dryopteris oligodonta, é pois o único do seu género que o comum dos visitantes ao arquipélago encontrará. É um feto grande, com frondes três vezes divididas, dispostas em tufos, capazes de ultrapassar um metro de comprimento. D. affinis, por contraste, tem as frondes só duas vezes divididas (compare-se a última foto acima com esta); e D. guanchica e D. aemula, além de serem bem menores, têm as pínulas mais recortadas, com dentes muito mais pronunciados (veja-se aqui e aqui). O epíteto oligodonta anuncia precisamente que este feto-macho tem poucos dentes, o que é injusto face a congéneres seus mais desdentados.

Várias fontes garantem que Dryopteris oligodonta é um endemismo das Canárias, contrapondo outras que o mesmo feto existe nas ilhas cabo-verdianas de Santo Antão e do Fogo. Um estudo exaustivo recente [Jacobus P. Roux (2012), A revision of the fern genus Dryopteris (Dryopteridaceae) in sub-Saharan Africa, Phytotaxa 70] confirma a existência da planta em Cabo Verde, embora ela pareça estar agora confinada a Santo Antão, não tendo sido observada na ilha do Fogo desde 1934, ano em que lá foi colhida pela única vez.

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