Globos azuis
Há quem se interrogue sobre a existência da Macaronésia, que seria a região biogeográfica formada pelos arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde. Não se trata de dúvidas solipsistas sobre a realidade dessas ilhas, mas sim de saber se, além da circunstância de todos esses arquipélagos se localizarem no Atlântico norte, há ou não afinidades marcantes entre, por exemplo, a vegetação natural dos Açores e a das Canárias. É tentador responder de imediato que não: como poderá uma ilha hiper-húmida e verdejante como as Flores ter algo em comum como uma ilha semi-desértica como Lanzarote? Acontece que mesmo dentro de cada arquipélago o panorama não é uniforme, e a Graciosa, nos Açores, é mais seca e menos arborizada do que as ilhas de La Gomera e La Palma, nas Canárias. Assim, em vez de nos determos em impressões gerais, podemos responder a perguntas concretas como esta: há plantas endémicas comuns aos quatro arquipélagos da Macaronésia? Sim, uma única, o nosso bem conhecido dragoeiro (Dracaena draco). Lista tão curta deveria invalidar sem apelo nem agravo o conceito já de si dúbio de Macaronésia. Contudo, seduz-nos a ideia de que em cada arquipélago a vegetação guarda memória, ainda que ténue, da do arquipélago vizinho. Os fetos da laurissilva madeirense são, em grande parte, os mesmos que encontramos nas florestas açorianas, e há pelo menos quatro fetos quase-endémicos que estão presentes nos Açores, Madeira e Canárias: Woodwardia radicans, Diplazium caudatum, Pteris incompleta e Culcita macrocarpa. O loureiro dominante na Madeira (Laurus novocanariensis) reaparece nas Canárias; e, tendo sido até há poucos anos considerado da mesma espécie, não será muito diferente do loureiro açoriano (Laurus azorica). Nas plantas de floração vistosa as coincidências são em muito menor número: a somar ao dragoeiro temos apenas o Ranunculus cortusifolius, que é conhecido nos Açores como bafo-de-boi e na Madeira como douradinha, e que, sendo endémico dos três arquipélagos, apresenta importantes variações inter-insulares.
A Globularia salicina, cujo nome se pode traduzir por globulária-de-folhas-de-salgueiro, é um dos endemismos partilhados entre a Madeira e as Canárias. Já a tínhamos visto em Maio de 2016 no Porto Santo, refugiada no topo do Pico Branco, e reencontrámo-la em Dezembro do mesmo ano na Madeira, mas em nenhuma dessas ocasiões lhe vimos as flores. O enguiço foi quebrado em Dezembro de 2017, em Tenerife, ilha onde as plantas desobedecem sistematicamente às épocas de floração que alguns autores lhes prescrevem.
As flores deste arbusto, reunidas em capítulos axilares de cerca de 1 cm de diâmetro, são típicas do género Globularia, como o leitor pode confirmar nesta página. Contudo, a globulária-de-folhas-de-salgueiro, além de ser uma planta lenhosa, destaca-se pelo porte erecto e pela envergadura, e é capaz de alcançar 2 metros de altura. As folhas estreitas, de formato elíptico, são glabras e têm de 4 a 8 cm de comprimento. Tanto na Madeira como em Tenerife, é uma planta frequente e às vezes abundante em lugares soalheiros a média altitude, sobretudo nas vertentes viradas a sul.