07/03/2021

Cominhos & descaminhos



Vivemos tempos estranhos, em que passear numa praia, numa montanha ou nas margens de um rio se tornou incomparavelmente mais subversivo do que fazê-lo nas ruas de uma cidade. O usufruto da natureza, hoje muito mais do que na época de Thoreau, é um acto de rebeldia, o início de um caminho sem retorno que conduz à desobediência civil e à anarquia. Quem não acate as ordens do pastor não pode esperar complacência do resto de rebanho.

Falta-nos estofo de heróis ou vocação para mártires; e, se passámos à clandestinidade (apenas em certos dias da semana), não vamos apregoar ao mundo o nosso paradeiro. O que por agora aqui mostramos são sobras de tempos mais felizes; a história dos dias que correm só mais tarde a contaremos.

Na foto vemos a barragem de Bemposta, no Douro internacional. Nas margens agora inacessíveis do rio prepara-se uma Primavera exuberante que estamos proibidos de admirar, já que dessa contemplação não essencial não adviria qualquer proveito económico para nós ou para o país. Em princípios de Maio, no Douro, o melhor da Primavera já ficou para trás, e os meses de Verão são um suplício, com o colorido das plantas a soçobrar à estiagem impiedosa. No entanto, há plantas que esperam pelos dias mais quentes para florir, entre elas numerosas umbelíferas. É por entre a vegetação seca, nas tardes em brasa a que as cigarras fornecem a banda sonora, que despontam as vistosas inflorescências da Margotia gummifera. Trata-se de uma planta ibero-magrebina que no nosso país ocorre de norte a sul, mas que no norte aparece apenas longe do mar, acompanhando o vale do Douro, e no centro e sul tem uma distribuição marcadamente costeira, vegetando até em dunas marítimas.

Margotia gummifera (Desf.) Lange


Destacando-se pelo tamanho (até 1,8 m de altura), pela brancura das flores e pela arquitectura das suas amplas umbelas, a Margotia gummifera também recompensa quem dela se abeire com o olfacto apurado. O seu perfume, segundo alguns, faz lembrar o dos cominhos, outros detectam-lhe um travo a resina, mas seria peculiar o nariz que se declarasse ofendido com o encontro. No entanto, há quem defenda que o nome comum da planta no nosso país seria bruco-fétido, o que — sabendo nós que a planta já se chamou Elaeoselinum gummiferum — só se explica pela confusão com o Elaeoselinum foetidum, uma umbelífera de folhagem semelhante mas de flores amarelas que terá um cheiro menos agradável.

A Margotia gummifera chega a ser abundante na faixa litoral a sul do Tejo; e, embora não se lhe conheçam usos na medicina tradicional, um estudo de 2013 assinado por um grupo de cientistas da Universidade de Coimbra aponta para potenciais usos farmacológicos dos seus óleos essencias, em especial pela sua acção anti-inflamatória.

2 comentários :

Teresa disse...

Muy interesantes todos tus reportajes, que los veo siempre. Un beso.

Paulo Araújo disse...

Bom dia, Teresa. Obrigado pelo comentário.