Artemísia das neves
A serra Nevada, na Andaluzia, é a cordilheira de montanhas mais elevada da Península Ibérica, com cerca de 3400 metros de altura. O isolamento, a altitude e a proximidade ao mar Mediterrânico transformaram-na num pote de endemismos, descendentes de plantas nórdicas que ali se refugiaram em épocas demasiado frias no planeta, e que de outro modo não teriam sobrevivido ao calor mediterrânico. Foi este ecossistema raro, que conjuga nichos variados, é favorecido por um clima ameno, é fonte de vários rios e mantém uma biodiversidade excepcional, que visitámos durante uma semana a meio de Julho do ano passado.
A viagem de carro desde o Porto até à serra Nevada é longa, de mais de oitocentos quilómetros, embora por boas estradas (portagens pagas em Portugal, claro, circulação grátis em Espanha). Por isso, houve que fazer uma pausa demorada em Arronches para degustar uma memorável sopa alentejana. Depois da sericaia com ameixas, retomámos o caminho até Granada, penando pela auto-estrada numa das mais graves ondas de calor que afligiram a região mediterrânica no Verão passado. A 3200 metros de altitude, porém, ainda se via gelo nos picos da serra, a temperatura rondava os 17ºC e um vento frio em redemoinho obrigou-nos a usar agasalhos polares.
O acesso aos pontos mais altos da serra (Mulhacén e Veleta) pode fazer-se a pé, mas a nossa lista de plantas a conhecer era extensa e não havia tempo a perder. Subimos, portanto, de teleférico, estrutura que serve de transporte no Verão a partir de 15 de Julho. A primeira impressão é a de que no topo da serra predominam zonas áridas de xisto, com grandes pedras sem vegetação. Mas é nas inúmeras fissuras dessas rochas laminadas que se aninham muitas herbáceas, regaladas com um microclima agradável, sem frio em excesso nem risco de insolação. Como esta espécie minúscula de Artemisia, género da família Asteraceae que conhecemos bem das dunas primárias das nossas praias.
A Artemisia granatensis é una planta perene de pequeno porte (não mais de 20 cm de altura), endémica da serra Nevada, onde só ocorre acima dos 2000 metros. As inflorescências são arranjos densos de margaridas sem lígulas, em tons de amarelo e vermelho, no topo de hastes florais empinadas. Dizem as Floras que a raiz é robusta, fincando-se energicamente nas rochas. Esta artemísia é muito rara e difícil de encontrar na serra — e, apesar dos esforços em contrário, está à beira da extinção, tão perto de desaparecer como o lince ibérico. A culpa é repartida por vários protagonistas, por isso a espécie tem tanta dificuldade em se regenerar e em expandir as suas populações: a cabra montês, bicho voraz que pasta na alta montanha; as supostas virtudes medicinais que se atribuem a esta artemísia, o que levou outrora a uma colheita furtiva desenfreada de que a espécie ainda não recuperou; e, actualmente, os turistas e caminhantes que recolhem amostras das plantas mais icónicas da serra Nevada. Às cabras talvez consigamos desculpar a ignorância e a tolice.