02/11/2025

Amarelo flutuante

Custa-nos a crer que as baleias, com pulmões como nós, sobrevivam submersas nos oceanos. Com a pressão elevada a alguns quilómetros de profundidade, por que não implodem, como aconteceu ao submergível Titan? E a temperatura muito baixa no fundo do mar não as afecta? E, sendo tão volumosas, como é que conseguem ficar tanto tempo submersas sem respirar? O oceano a poucos quilómetros abaixo da superfície coloca tantos riscos à nossa sobrevivência, que os vários museus interactivos sobre a baleação nas ilhas dos Açores clarificam também a morfologia e o funcionamento do corpo das baleias. Pois bem, as baleias têm costelas articuladas para que os pulmões sejam flexíveis e, ao colapsarem em zonas mais profundas do mar, não se estraguem. Conseguem impedir a respiração pelo nariz e boca quando submergem (nós não, mas assim podemos dormir), e todos os orgãos possuem uma grande capacidade de guardar oxigénio, possibilitando-lhes longos períodos sem respirar. Contêm grossas camadas subcutâneas de gordura que as mantêm à temperatura adequada e as alimentam se a comida escasseia. Poderíamos juntar muitos outros pormenores da notável adaptação destes mamíferos à vida no mar. Refira-se ainda a migração que efectuam anualmente para locais tropicais quando o Inverno se instala no hemisfério norte/sul, uma rotina que nós deveríamos também cumprir para não adoecermos com o frio, os dias mais curtos e a mudança da hora.

Utricularia gibba L.


As plantas aquáticas, muito mais frágeis e de muito menor porte, não são menos hábeis a contornar os inconvenientes de morar dentro de água. E ainda que, em geral, não tenham colonizado, como as baleias, habitats a grande profundidade, alguns dos mecanismos para se defenderem das adversidades que a vida na água lhes coloca nem são muito distintos dos das baleias. Por exemplo, são plantas leves e flexíveis, para flutuarem e não quebrarem pela força da água. Ao contrário das plantas terrestres, cujas folhas precisam de evitar a transpiração em excesso e a perda de água, as aquáticas necessitam de evitar apodrecer com o excesso de humidade. Por isso, as folhas são cerosas, para não se encharcarem, e possuem mecanismos químicos que repelem os micróbios. Os talos contêm uma rede de canais que se enchem de ar e distribuem internamente oxigénio pelas várias partes da planta, impedindo que definhem. As raízes espalham-se por largas extensões para captarem a pouca luz que se infiltra, e são capazes de absorver oxigénio e nutrientes directamente da água. E as flores, que precisam de atrair polinizadores, nascem no topo de hastes erectas, protegidas da água enquanto abrem, amadurecem e frutificam. Com tamanho sucesso de adaptação, decerto estas plantas não gostariam de viver noutro lugar.



Vem isto a propósito de uma planta carnívora que vive perto do litoral, em lagoas de fundo arenoso, com pouca água em caudal parado, ou em charcos temporários. Embora de distribuição ampla, é rara na Península Ibérica. Havendo registo da sua presença no litoral entre Aveiro e a Figueira da Foz, fomos à procura da nossa lagoa onde ela pudesse ocorrer. Encontrámo-la na Tocha. escondida entre pinhais e dunas, perto de outra onde morava uma população bem instalada de Utricularia australis (ou Utricularia × neglecta). As flores da U. gibba são muito mais pequenas do que as da U. australis e, como comprovam as fotos, o formato delas é também distinto.

Utricularia × neglecta Lehm.


Estas duas utriculárias estão em situação vulnerável em Portugal Continental. As suas populações, há muito escassas, continuam em declínio à medida que as depressões inundadas e as zonas húmidas de baixa altitude desaparecem ou se degradam. Se listarmos as alterações do regime hidrológico causadas pelas atividades agrícolas, pelas drenagens para construção e pelas secas cada vez mais frequentes, e as juntarmos à poluição orgânica e à expansão aparentemente incontrolável de plantas exóticas aquáticas, ninguém duvidará de que a situação destes habitats excepcionais é altamente precária.