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17/05/2022

O problema da salsa

Petroselinum crispum (Mill.) Fuss


A cozinha popular portuguesa — aquela que é praticada nos restaurantes acessíveis a salários como os nossos, congelados vai para duas décadas — tem vindo gradualmente a prescindir de temperos e condimentos, bastando-lhe o sal para despachar a ração diária de fritos e grelhados. As ervas aromáticas vão sendo descartadas e caindo no esquecimento, prevalecendo talvez a ideia de que o seu uso iria adulterar o sabor natural dos alimentos. Presume-se assim que eles tenham algum sabor independente da preparação a que são sujeitos, e que ao comermos não buscamos o prazer da degustação mas sim o conhecimento de algo supostamente genuíno.

A salsa, essa erva que reputaríamos de indispensável em tantos cozinhados, também tem vindo a perder terreno. Durante algum tempo, abandonado o hábito de a usar como condimento, muitos restaurantes, porque continuavam a tê-la à mão e havia que dar-lhe utilidade, empregavam-na como enfeite. Não havia travessa de filetes de pescada ou de tripas que chegasse à mesa do comensal sem o sainete de um raminho de salsa. O cliente contemplava a salsa, não a achando particularmente bonita, e com um gesto rápido de talheres empurrava-a para a borda da travessa, onde ela permaneceria até que, terminada a refeição, toda a prataria regressasse à cozinha. Talvez sejam caluniosas as suspeitas de que o mesmo ramo de salsa, enquanto mantivesse o viço, regressava periodicamente às salas de refeições enfeitando travessas de sucessivos clientes, porque afinal nunca faltou salsa e, tratando-se de um produto barato, seria imperdoável tanta forretice.

O efeito ornamental da folha de salsa nunca foi convincente. Mesmo sem solicitarem aos clientes que preenchessem inquéritos de satisfação, os restaurantes acabaram por concluir que a salsa só por si era insuficiente para dar um toque de requinte e sofisticação estética aos pratos do dia. E houve a questão do IVA. Enquanto o governo não desceu a taxa aplicada às refeições, a margem de lucro dos restaurantes era tão apertada (a acreditar nas queixas dos proprietários) que até os ramalhetes de salsa encomendados à mercearia da esquina iriam desequilibrar as contas. O IVA acabou por descer, mas já não foi a tempo de salvar a salsa.

Esta situação é lamentável. Urge recuperar a salsa — assim como todos as ervas culinárias que vêm preguiçosamente sendo desprezadas — e, mais do que isso, dar-lhe oportunidade de se regenerar, usando-a como verdadeiro condimento e não como pífio adorno. Mesmo que os restaurantes persistam em desdenhá-la, podemos nós fazer bom uso dela nos nossos cozinhados caseiros. Não é preciso gastar um cêntimo nem dispor de um quintal doméstico onde cultivá-la, porque a planta cresce ao deus-dará pelo país fora e é só servimo-nos do que a natureza oferece.

Há apenas o óbice sério de o Petroselinum crispum (é esse o nome científico da salsa) ser uma umbelífera que um olho menos experimentado facilmente confunde com muitas outras plantas da mesma família, várias delas mortalmente venenosas (como a cicuta e o embude). Colher salsa na natureza sem estarmos treinados para reconhecer plantas silvestres é tão suicidário como colher cogumelos que não saibamos identificar. Quando colhemos salsa, devemos atender ao formato das folhas, à coloração das flores e, sobretudo, ao perfume característico que as folhas emitem ao esfregarmo-las com os dedos.

Cientes de todas estas cautelas, onde podemos afinal encontrar salsa silvestre? Devemos procurá-la no Verão, que é quando a planta floresce e mais fácil se torna de avistar. Tem alguma preferência, não exclusiva, por zonas costeiras, e nos Açores parece ser comum na faixa litoral de todas as ilhas, sobretudo na proximidade das povoações. Procurar salsa pode assim ser pretexto para desfrutar de bonitas paisagens junto ao mar como a que se vê nesta foto de São Miguel, captada no mesmo local onde as plantas que ilustram o texto foram fotografadas.

11/10/2016

Ouro em pó

Uma das obrigações do turista em São Miguel é, pelo menos uma vez, tomar banho nas águas sulfurosas e tépidas da Caldeira Velha. Não será bem uma obrigação, já que pode fazer o mesmo no parque das Furnas, mas a Caldeira Velha é um lugar mais recatado, tanto por ter entrada paga como por ser afastado das povoações. Há uma fonte de água escaldante, capaz de cozer qualquer incauto que nela mergulhe, mas que logo depois se mistura com a água fria de um ribeiro para alimentar várias piscinas naturais a uma temperatura tão deliciosa como a do banho lá em casa.

Desde a entrada até às piscinas, são muitos os avisos aos visitantes para não saírem dos caminhos e não pisarem ou danificarem a vegetação. Quem ignora as indicações é imediatamente admoestado pelos vigilantes que patrulham o recinto. Justificar-se-á tanta preocupação por estarmos num refúgio de espécies raras da flora açoriana, que importa pôr a salvo das tropelias dos visitantes? O coberto vegetal, infelizmente, não merece tal desvelo, dominado que é por plantas ruderais e pelas mesmas exóticas invasoras a que nos habituámos. Sim, a colecção de fetos ou afins (Dryopteris azorica, Diplazium caudatum, Culcita macrocarpa, Palhinhaea cernua) é valiosa e atraente, mas não chega para disfarçar o desmazelo no controle da vegetação infestante. Um pífio "jardim de endémicas", em estado de completo abandono, com uma dúzia de árvores que nunca hão-de crescer, algumas já secas, esconde-se envergonhado num canto. Será tudo isto resultado da falta de pessoal? Há com certeza falta de gente qualificada ou de quem saiba dirigi-la, mas, tudo somado, vimos umas 20 pessoas a trabalhar: na bilheteira, na vigilância, nos balneários, ou até a varrer as folhas secas do chão.



Pityrogramma calomelanos (L.) Link var. austroamericana (Domin) Farw.


Se o problema da Caldeira Velha fosse a penúria orçamental, talvez o pó dourado que recobre o verso das folhas do Pityrogramma calomelanos pudesse dar uma ajuda. Mas nem tudo o que luz é ouro, e fora dos contos de fadas nenhuma planta é capaz de produzir o metal precioso. Porém, mesmo que não enriqueça quem decida cultivá-lo, este feto neo-tropical, visto por trás ou pela frente, é um dos mais bonitos que conhecemos. Originário da América Central e do Sul, a sua beleza serviu-lhe de passaporte para muitas regiões tropicais e subtropicais da África, Ásia e Oceania, onde conseguiu naturalizar-se com maior ou menor sucesso. Na África do Sul, por exemplo, frequenta bermas de estrada e outros sítios perturbados e mais ou menos pedregosos na metade leste do país, em geral na proximidade de lugares habitados, não se esperando que venha a ter comportamento invasor problemático. Já na Ásia e em certas ilhas do Pacífico ele não parece ter usado de igual parcimónia, e as notícias são bem menos optimistas. Nos Açores, onde está assinalado desde 1907, foi até hoje visto em São Miguel, Faial e Terceira, mas permanece muito raro e talvez já não exista no Faial. As temperaturas moderadas do arquipélago não devem ser favoráveis à disseminação de um feto que preferirá ambientes mais cálidos. Na Caldeira Velha instalou-se junto à fonte de água quente, sobre um solo borbulhante e instável que parece a tampa de uma panela de pressão, e por entre os vapores de enxofre que nos coçam o nariz e embaciam a vista.

O Pityrogramma calomelanos é um feto de tamanho médio. As suas frondes arqueadas, que se dispõem em tufos, têm pecíolo negro, comprido, e lâminas foliares bipinadas, de formato lanceolado, com uns 40 cm de comprimento máximo (no seu continente de origem é capaz de duplicar esta marca). A sua elegância e simetria, ajudadas pela cor verde brilhante, são irrepreensíveis.

Pityrogramma ebenea (L.) Proctor
Oriundo também da América tropical, mas de presença reportada só em 1993, está naturalizado em São Miguel um outro feto do género Pityrogramma. Trata-se do P. ebenea, menos prendado do que o seu conterrâneo, com frondes desenhadas a traço mais grosso, o pó de talco (que não é talco) fazendo as vezes do pó de ouro (que não é ouro). Mesmo sem lhe espreitarmos o verso das pínulas para conferir a cor, podemos notar que as pinas têm um remate rombudo em vez de pontiagudo, e que as pinas superiores são perpendiculares à ráquis, enquanto que no P. calomelanos elas fazem com esta um ângulo agudo.

Ao contrário do P. calomelanos, o P. ebenea, que é algo maior do que o seu congénere, não parece buscar só ambientes de sauna. Vimo-lo em dois pontos a caminho da lagoa do Fogo, e é de supor que a sua expansão em São Miguel esteja apenas no início.

04/10/2016

Lagoas & patalugos


Lagoa do Fogo, ilha de São Miguel
Completámos este Verão a ronda de visitas botânicas aos Açores que iniciámos em 2010. Ao longo destes anos, estivemos pelo menos uma semana em cada ilha, e a quatro delas (Terceira, Flores, Pico e São Jorge) voltámos repetidas vezes em diferentes períodos do ano. Não sendo nós botânicos profissionais, seria inapropriado dizer que foram visitas de trabalho, mas a exploração botânica serviu-nos de pretexto para as férias activas de que gostamos. Esse não-trabalho teve como resultado visível os cento e tantos textos sobre os Açores e a sua flora que aqui publicámos, e o lançamento (ainda a meio-gás) do portal Flora-On Açores, iniciativa da Sociedade Portuguesa de Botânica de que somos colaboradores empenhados. Porque seria presunção achar que já lhe conhecemos todos os cantos, continuaremos a visitar o arquipélago. Move-nos também o impulso de regressar aos lugares onde nos sentimos bem.

São Miguel foi a última ilha do nosso roteiro botânico. Dirão alguns que deixámos o melhor para o fim, mas não foi essa a impressão com que ficámos. Mais do que qualquer outra ilha açoriana, São Miguel vive um paradoxo: faz do turismo de natureza o seu cartaz, mas sobra nela muito pouco (ou mesmo nada) da natureza virginal que os visitantes imaginam lá existir. As cerradas plantações de criptómerias, as ondulantes pastagens, a proliferação descontrolada de invasoras como o incenso, a hortênsia e a conteira — tudo isso remeteu a vegetação natural à invisibilidade, fazendo-a regredir a um ponto de não retorno. Só no Pico do Vara e em alguns cumes em volta da lagoa do Fogo pudemos reencontrar, em versões empobrecidas, as florestas húmidas de juníperos e de louros que aprendemos a amar noutras ilhas.

Para minimizar o desgosto, talvez tivesse sido melhor conformarmo-nos ao papel de turistas que vêm para admirar as vistas. Ainda que saibamos como o verde que as rodeia é tantas vezes adulterado, as lagoas de São Miguel são mesmo de encher o olho. Mas, se mudarmos abruptamente de escala e começarmos a esquadrinhar as plantas herbáceas, reconhecemos, algo inesperadamente, que não foram poucas as plantas nativas (ou mesmo endémicas) que conseguiram adaptar-se a habitats dominados por espécies exóticas. Orquídeas como a Platanthera pollostantha são frequentes, nas partes altas da ilha, em matas de criptomérias e em taludes de estrada, e quase sempre lhes fazem companhia duas asteráceas endémicas de floração estival: uma leituga (Tolpis azorica) e um patalugo (Leontodon rigens).




Leontodon rigens (Aiton) Paiva & Ormonde


Os patalugos (nome que se dá às espécies açorianas do género Leontodon) apresentam-se em duas versões, ambas já aqui mostradas: o patalugo-maior e o patalugo-menor. É mentira que o primeiro seja maior do que o segundo. A diferença mais evidente é que o patalugo-menor (nas fotos) tem inflorescências abundantes, formadas por várias dezenas de capítulos, enquanto que o patalugo-maior as tem esparsas, com um máximo de meia dúzia de capítulos por haste. Há ainda um importante critério geográfico, só recentemente clarificado, que se resume a isto: em nenhuma ilha do arquipélago os dois patalugos coexistem. O patalugo-maior é exclusivo do grupo central, e o patalugo-menor fica-se por São Miguel, Flores e Corvo. (Notícias antigas sobre a ocorrência do patalugo-maior nas Flores e em São Miguel são equivocadas, pois referem-se a híbridos do patalugo-menor com o Leontodon taraxacoides, uma espécie ruderal muito disseminada no continente e nas ilhas.)

No mesmo artigo (disponível aqui) em que põem em ordem a distribuição dos patalugos pelas diferentes ilhas, os autores (Mónica Moura, Luís Silva, Elisabete F. Dias, Hanno Schaefer, Mark Carine) concluem que afinal há dois patalugos-menores, pois as plantas de São Miguel não são iguais às do grupo ocidental (Flores e Corvo). Estas últimas passam a chamar-se Leontodon hochstetteri, e o nome Leontodon rigens fica reservado à espécie de São Miguel. É verdade, trata-se de um endemismo de uma ilha só. Felizmente não é nada raro: quem em Agosto percorrer as cercanias da lagoa das Sete Cidades ou da lagoa do Fogo, ou subir ao Pico da Varra ou à serra da Tronqueira, não deixará de avistar grandes e floridas populações empoleiradas nas bermas das estradas ou em ladeiras íngremes.

Para além das divergências genéticas apontadas no artigo, que diferenças visíveis há entre o Leontodon rigens e o agora chamado Leontodon hochstetteri? Como muito bem assinalam os autores, os capítulos do Leontodon hochstetteri têm pedúnculos curtos, e por isso a inflorescência é compacta, arredondada, em forma de umbela (fotos aqui). No L. rigens, pelo contrário, os pedúnculos são compridos (última foto acima), resultando daí uma inflorescência mais ampla e achatada (o termo técnico é corimbosa).

Não conseguimos decidir qual das duas variantes é mais bonita. Mas, como testemunham as imagens, o patalugo de São Miguel gosta, tal como nós, de contemplar lagoas, e temos que lhe agradecer por nos tornar essa contemplação menos frustrante.

06/09/2016

Mistério suculento


Tolpis succulenta (Dryand.) Lowe — fotografada no Porto Santo


Uma planta lenhosa quase rastejante, lançando uma confusão de hastes folharudas, entrelaçadas como teias de aranha, salpicadas de flores amarelas: eis o retrato à la minute da Tolpis succulenta, um endemismo da Madeira e dos Açores, por ocasião da sua terceira visita a este blogue (visitas anteriores: 1.ª, 2.ª). Tem sido nossa política não repetir convidados, para que a tarefa de mostrar toda a flora portuguesa (ou ibérica, ou macaronésia, ou do vasto mundo que ainda nos falta conhecer) possa alguma vez estar concluída. Por que razão abrimos, e pela segunda vez, uma excepção para este malmequer arbustivo? Gostamos da planta, e estamos dispostos a defender-lhe a beleza contra todos os detractores. A beleza vegetal, diga-se, não é uma qualidade absoluta e abstracta, independente de um contexto. Uma flor que irrompe da pedra, que consegue alimentar-se da secura, suscita-nos maior adesão emocional do que as abundantíssimas flores dos prados. E, entre todas as possíveis formações rochosas, as das ilhas atlânticas são as que mais nos entusiasmam, por ser duplamente improvável (pela pequenez da ilha face ao oceano e pela aridez da pedra) que a vida ali conseguisse instalar-se.

Sim, tudo isto é verdade, mas a Tolpis succulenta não é a única planta das ilhas nesses habitats, e é indisfarçável que lhe temos dado tratamento preferencial. Acontece que ela, apesar de assinalada nos dois arquipélagos, apresenta um tal grau de variação que, se as plantas da Madeira fossem apresentadas às dos Açores (ou vice-versa), dificilmente as reconheceriam como suas iguais. Para comprovar o estranhamento mútuo, juntamos aqui fotos das duas variantes: em cima a madeirense (do Porto Santo), e em baixo a açoriana (de São Miguel). Salta à vista que uma tem folhas muito mais estreitas do que a outra, e que, embora o seu recorte possa variar muito, elas são tendencialmente pinatífidas na Madeira e com margens dentadas ou inteiras nos Açores. E a disposição das folhas basais numa quase-roseta é frequente na T. succulenta madeirense (ver 1.ª foto acima) mas não se observa nas plantas açorianas. Para que não se julgue que fizemos uma escolha capciosa das fotos para confirmar uma crença a priori, veja-se como nesta página da Naturdata, com imagens das duas T. succulenta, as diferenças são ainda mais notórias. As preferências ecológicas são também distintas: ao contrário do que sucede na Madeira e no Porto Santo, onde aparece em picos rochosos a altitudes consideráveis, nos Açores (e com excepção de Santa Maria, onde está por todo o lado) a T. succulenta é uma planta exclusivamente costeira.

Face ao testemunho das imagens, a estranheza é que as duas variantes tenham sido incluídas na mesma espécie, mesmo considerando que noutras épocas, não existindo fotografia digital nem estando banalizadas as viagens aéreas, as comparações não seriam tão fáceis como hoje. As plantas são organismos vivos, não objectos padronizados saídos duma linha de montagem; por isso, as descrições verbais de uma qualquer espécie admitem sempre uma margem de variação. O problema é quando o intervalo de variação é tão generoso que abarca, nos seus extremos, coisas realmente distintas. Foi o que sucedeu à Tolpis succulenta: com um bocadinho de elasticidade, conseguiu-se que a descrição originalmente aplicada às plantas madeirenses se aplicasse também às açorianas, embora de facto se estivessem a meter alhos e bugalhos no mesmo saco.

Além das óbvias diferenças morfológicas, sabe-se hoje que as duas variantes da T. succulenta são geneticamente distintas. Na verdade, a T. succulenta açoriana está evolutivamente mais próxima da T. azorica (a outra espécie do género endémica dos Açores) do que da T. succulenta madeirense. Há 15 anos que esse (tão mal guardado) segredo é conhecido. Num artigo intitulado Chloroplast DNA evidence for the roles of island colonization and extinction in Tolpis (Asteraceae: Lactuceae), publicado em 2002 no American Journal of Botany, os autores (Michael J. Moore, Javier Francisco-Ortega, Arnoldo Santos-Guerra, Robert K. Jansen) dizem o seguinte:

«We chose to follow Jarvis (1980) in using the name T. succulenta for plants of both the Azores and Madeira Islands. However, it seems clear from observations in the field, as well as from our cpDNA restriction site data, that the plants Jarvis and others have referred to this name segregate into two species, one endemic to the Azores and the other to the Madeiran archipelago.»

A mesma observação foi reforçada em artigos recentes de outros autores (por exemplo neste de Dezembro de 2015, da autoria de Lurdes Borges Silva, Julie Sardos, Miguel Menezes de Sequeira, Luís Silva, Daniel J. Crawford e Mónica Moura), mas falta ainda dar um nome apropriado à espécie açoriana para que ela seja oficialmente reconhecida como endémica do arquipélago, e para que a genuína T. succulenta seja tratada como endemismo madeirense. O problema não é assim tão simples, pois mesmo dentro dos Açores a espécie exibe variações importantes (por exemplo, as plantas do grupo central têm capítulos bem menores do que as de São Miguel e de Santa Maria). Talvez um só nome novo não baste. Aguardamos com expectativa as surpresas dos próximos capítulos.


Tolpis succulenta (Dryand.) Lowe — fotografada em São Miguel

15/02/2013

O verdadeiro indúsio


Adiantum hispidulum Sw.


Certos fetos, como os dos género Adiantum (avencas) e Cheilanthes, têm a delicadeza de dobrar as margens das pínulas para proporcionar abrigo aos esporângios. A membrana que noutros fetos cumpre essa função recebe o nome de indúsio. A dobra da pínula, às vezes muito estreita, não chega a ser um verdadeiro indúsio, e por isso é costume chamar-lhe pseudo-indúsio. Mas há casos, como o da avenca de hoje, em que a dobra do lençol é suficientemente ampla, com uns arrebiques a lembrar um bordado, para que o sufixo pseudo seja dispensável. Embora sejam um prolongamento da margem das pínulas, os indúsios do Adiantum hispidulum individualizam-se pelo tamanho, pela cor clara e pelo formato reniforme.

São cerca de duzentas as espécies de Adiantum, um género presente em todos os continentes habitados. Além do método escolhido para resguardar os esporângios, outras características comuns à maioria das espécies são as hastes (ou ráquis) finas, escuras e brilhantes, e as frondes divididas numas tantas pinas mais ou menos arqueadas. As avencas são de fácil cultivo e muito valorizadas como ornamentais. Disso se aproveitou a avenca-áspera (Adiantum hispidulum) para alargar uma distribuição mundial já ampla, que inclui África, Ásia e Oceânia, aos arquipélagos da Madeira e dos Açores, onde talvez só na Terceira não se tenha instalado. No jardim António Borges, o mais bonito de Ponta Delgada, há muito que ela se emancipou da tutela dos jardineiros, vegetando exuberantemente nos locais mais frescos e sombrios.