15/04/2005

As últimas amoreiras


Fotos: pva 04/05 - folhas de Morus alba (Quinta de Sto. Inácio); Morus nigra no Inverno (Palácio de Cristal)

«Não cabe aqui a história do bicho-da-seda nem a do tecido proveniente do casulo. Essas duas histórias, a natural e a industrial, deparam-se ao leitor nas enciclopédias. (...) Lembre-se aqui apenas que Portugal, entre os países da velha cristandade, foi o primeiro que produziu seda. E veio a suceder que Trás-os-Montes foi a província que mais produziu durante séculos. Houve fábrica em Chacim e importantes filatórios noutros povoados. Mas, em qualquer casa rural se cultivava o bicho. Dava dinheiro e era fácil de criar. (...) Trás-os-Montes, principalmente Bragança, foi empório do sirgo. Pobre insecto, a troco de folhas de amoreira, seu único alimento, enriqueceu Trás-os-Montes.

Mas, não há bem que sempre dure. No século XVIII, apareceram nas sirgarias de França várias doenças que dizimaram o bicho. Essas doenças, a pouco e pouco, propagaram-se a Portugal. (...) O sirgo transmontano resistiu à epidemia por obséquio da natureza. Foi-lhe propício o clima. Atribuiu-se a resistência à qualidade da folha. Mas, não havia folha que chegasse na maré alta das exportações. Fome e má higiene das oficinas enfraqueceram o bicho a ponto de contrair a peste. Neste conflito, acudiu à seda o governo português, mandando plantar amoreiras nos baldios, praças públicas e caminhos. À parte outras provisões, insistiu no plantio da amoreira branca, porque a preta não serve. O bicho é esquisito.

Devem datar de 1863 as últimas amoreiras que nós por aí vemos, na estrada de Lamego, na do Rodo e na de Vila-Real. A indústria do sirgo foi suplantada pela indústria da seda vegetal. (...) Portugal abandonou uma cultura que, noutros países, ainda é fonte de receita. Não há seda como a seda natural.

Tornemos às nossas amoreiras. Inclinadas e carcomidas, ainda se revestem de esplêndida folhagem. Lembram, à beira das estradas, uma riqueza perdida. (...) À memória de uma indústria poética extinta deveria erguer-se um monumento. Seria, em cada cidade, vila e aldeia dos nossos sítios uma rua plantada de amoreiras. As amoreiras são ornamentais, ó municípios!»

João de Araújo Correia, Pátria pequena (1964)

6 comentários :

cc disse...

creio bem que essas foram realmente as últimas mas vou tentar perscrutar nessas estradas que percorro amiúde

Unknown disse...

Conheci e convivi com uma dessas Amoreiras de que aqui fala João de Araújo Correia. Lembro-me, era um puto, daqueles que frequentam a escola primária e a caminho de casa, na época estival, saboreei tantas vezes o fruto e o fresco de uma imponente Amoreira a que tantas vezes sonhei subir sem sucesso.
Que bela recordação aqui evoca.

Artur

Anónimo disse...

Para seu consolo lhe digo que este ano plantei 6 novas amoreiras.Tudo porque em criança o recreio do colégi tinha uma sombra fantastica por conta de uma enorme arvore,uma amoreira , que tb alimentava os bichinhos da seda de toda a criançada. Agora preparo essas delcias para os netos:)annie hall do Outsider
(Resolvi copiar o comentário da annie hall com o link para o seu blog- para o caso de não o conhecerem! As suas fotos fazem as minhas delícias. Manuela)

Anónimo disse...

Há duas maoreiras na Escola Primária dos Chãos Velhos, na freguesia de Arcozelo, Concelho de Vila Nova de Gaia. Lindas que só visto e alimentam as centenas de bichos-da-seda da miudagem desta escola.
Rodrigues Silva

Anónimo disse...

Ainda havemos de ir lá. Obrigada pela informação.
Manuela

Anónimo disse...

Em Castelo Mendo, perto da Vilar Formoso, concelho de Almeida, entra-se na aldeia por uma estrada ladeada de amoreiras negras que leva às "Portas da Vila".
A aldeia é mto antiga, foral de D. Sancho II (1223-1248)mas deixou de ser concelho por alturas de 1800.

Estas 6 ou 7 amoreiras, que já foram 20, foram mandadas ali enxertar em figueiras por D. Afonso V, por volta de 1472.
Ainda se carregam todos os anos de óptimas amoras pª gaudio dos estorninhos e de quem lá passa.

http://lusitanianotavel.canalblog.com/archives/almeida/index.html