05/05/2006

Um muro palmo a palmo

Há tempos um botânico português acompanhou um seu colega estrangeiro numa visita ao parque de Pedras Salgadas. Em vez de se encantar com a harmonia do lugar, com o seu jogo de cores e formas, com o modo como edifícios e vegetação se completavam; em vez de se deter de pescoço empinado admirando o gigantismo das árvores - o estrangeiro, especialista em coisas miúdas como musgos e fungos, gastou toda a visita inspeccionando alguns metros de muro. Foi como ir a África e interessar-se só por formigas, ignorando os grandes mamíferos das savanas. Formigueiros e musgos são decerto assuntos apaixonantes, mas os leigos considerarão que quem não presta atenção a mais nada, tanto em Pedras Salgadas como em África, não tira o máximo proveito da sua visita.

Mas, depois de termos admirado o que é grande, e construído a traços largos o mapa mental de um lugar (de um jardim, por exemplo), a etapa seguinte é descermos aos detalhes: primeiro as alamedas, depois cada uma das suas árvores, em seguida os arbustos, os canteiros, as flores. Mesmo as flores têm uma hierarquia: há as que são semeadas e as que brotam espontaneamente; as que nascem do chão e as que se agarram aos muros. Cumprido esse percurso observativo - do geral para o particular, do grande para o pequeno, do delicado para o rústico - podemos sem culpa dedicar a um muro alguma da nossa atenção.

Claro que o muro tem que ser especial: há-de ser de pedra e não de tijolo ou betão; é preferível que esteja todo forrado de verde; mas a pedra, se estiver exposta, deve acusar o desgaste do tempo. Os melhores muros, como este nos jardins do Palácio de Cristal, cobrem-se de trepadeiras e enfeitam-se, na altura própria, de flores vadias. As da foto, a que a nossa ignorância seria tentada a chamar malmequeres ou margaridas, têm o nome científico de Erigeron karvinskianus, pertencem à família Compositae (que agrupa as flores "tipo malmequer"), e vieram do México; mas consideram que qualquer velho muro do continente europeu é por direito a sua casa.

2 comentários :

Anónimo disse...

Ai floricos ó i ó ai, ai floricos ó ai meu bem...
(nomes vernaculares da Erigeron karvinskianus: Vitadínia-das-floristas; Intrometidas; Floricos)
S. (de Sementinha ;-)

Anónimo disse...

Aqui são conhecidos como "intrometidos"