08/06/2008

Endecha


Trifolium stellatum

«O nosso lirismo devia ser coutado. O país devia consagrar-lhe um parque de reserva, onde fosse proibido dizimar as espécies que ainda restam, deixando-as viver num paradisíaco devaneio, à lei da inspiração. E nenhum sítio mais indicado para isso do que esta província portuguesa, feita de dunas e calcário. (...) Uma vez que o melhor da força criadora nacional está concentrado nesse pequeno reduto de que as serras de Aire, Candeeiros e Montejunto são ameias, nada mais sensato do que tentar reverdecê-la aí. Granjeada de novo naquelas colinas suaves e calmas, talvez brotasse com o alento por que todos suspiram. Não é às lousas do xisto ou à aspereza das urgueiras que se hão-de pedir filigranas góticas e versos bucólicos. Nos sítios onde a natureza não quer, nem as calhandras cantam. O talento é preciso, mas é preciso também que o meio o ajude. Que sustente o artista e lhe dê pedra capaz, barro moldável, madeira propícia, e lhe não tolha as mãos de frio, se ele escreve ou pinta. O faro, de resto, nunca enganou a fauna dos que em Portugal vivem condenados à inglória penitência da beleza. Porque sabem que é ali o clima ideal do seu trabalho, eles próprios consideraram sempre a Estremadura como chão dos seus pés.»

Miguel Torga, Portugal (1950)

4 comentários :

Anónimo disse...

linda foto!

Anónimo disse...

Eu não podia estar mais de acordo com o senhor Torga. Apesar de viver no distrito de Leiria (no extremo interior), só recentemente entrei num bosque cársico, e fiquei estupefacto com aquela gigante bio-diversidade, com orquídeas e leguminosas que nunca tinha visto ou imaginado.

Um professor botânico (prof. Dr. Mário Lousã), meu conterrâneo, explicou-me, em livro, que as zonas cársicas do país são território excepcional na conservação da natureza. E a razão, para tal facto, consiste na dureza dos solos, que não são mobilizáveis para agricultura ou para exploração florestal, e que, por esse motivo, se têm mantido mais ou menos intocáveis ao longo dos séculos.

Sugiro-vos uma descoberta ao concelho de Alvaiázere onde, da sua serra (à qual Miguel Torga chamou de o "Miradouro mais vasto de Portugal") se avista também a Serra d'Aire. Junto, na pequena Serra dos Ariques, situa-se a maior área contínua de carvalho cerquilho do mundo, uma floresta que muito me tem impressionado ao longo destes dias em que tenho trabalhado perto. Inserida na região cársica das Terras de Sicó, as atracções botânicas são tantas que é impossível nomear todas as espécies com lugar cativo. Sugiro o blogue «insectos a florir» (http://insectosaflorir.blogspot.com), dedicado às orquídeas nativas, incluíndo as magníficas Ophrys, com algumas fotos colhidas na região (para além de em outras regiões de Portugal, visto que o blogue é colectivo). Se por aqui vierem passear, atracções arqueológicas e gastronómicas também não faltarão.

E se quiserem podem até participar num dos vários passeios pedestres de reconhecimento de plantas e flores nativas que a associação de defesa do património local (AL-Baiäz) agenda mensalmente, tendo como guião o próprio professor Mário Lousão, docente no Instituto Superior de Agronomia. (www.al-baiaz.web.pt ou www.albaiaz.com)


Gostaria de aproveitar para vos agradecer profundamente pelo serviço público, eu diria humano, que tão generosamente nos oferecem diariamente. Eu creio que vocês não terão a percepção mínima do impacto que este blogue influi nas vidas quotidianas e até nas escolhas e rumos de vida das pessoas que o lêem. Convosco a rotina do trabalho, ou a distracção de um passeio matinal de fim-de-semana, ganha pormenores e vivências nunca antes experienciadas, como um despertador de atenções e consciências para o mundo que nos rodeia, não só botânico mas também, por extensão e cultivo, faunístico e até mesmo humano.

Quem disse que a sensibilidade não se ensina?

E vós, que sois professores de crianças e adolescentes, segundo julgo, bem sabeis que o conhecimento, em si, nada vale para a humanidade (em duplo sentido falando) se não for aplicado com consciência e sensibilidade. E talvez seja isso que mais falta faz, a quem ensina e a quem aprende. E digo-o eu, que andei 3 anos a desperdiçar tempo numa licenciatura em Ciências da Competição, perdão, digo da Educação.

E ainda me resta saber porque é que nenhum professor de ciências da natureza, ou de ciências da terra e da vida, ou até mesmo de biologia, em 12 anos de escolaridade básica e secundária, me levou a passear pelos campos, pinhais ou bosques mostrando-me a vida.

Bem hajam pelo vosso trabalho e dedicação!

Miguel Torga diria o mesmo.

Anónimo disse...

Imagine se ainda tivessemos as belezas que nossos bisavós viram e hoje não vêem mais...

Paulo Araújo disse...

Caro Alexandre Inácio:

Como nortenhos que somos, nunca descemos muito para sul nos nossos passeios de fim-de-semana, e a amostra que damos da riqueza botânica do nosso país é inevitavelmente desequilibrada. Dito isto, há duas semanas munimo-nos de mapas e guias e demos uma saltada ao Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Como é impossível ver tudo aquilo de uma só vez (ou mesmo em muitas vezes), fizemos um único percurso na parte mais a oeste, com partida e chegada na aldeia do Arrimal. A escolha foi ditada pela promessa de encontrarmos orquídeas (embora já fosse um pouco tarde para elas) e muitas outras plantas rasteiras - além, claro, de pequenas matas de carvalho-cerquinho. As promessas foram mais do que cumpridas: aquele lugar é uma mina de ouro para amantes de botância. E ainda tem o bónus da paisagem.

Já mostrámos uma das orquídeas, e outras virão nos próximos dias; este Trifolium stellatum também foi lá fotografado. Como seria se lá tivéssemos ido em Março ou Abril? Já agora, agradecemos a bonita sugestão do blogue «insectos a florir»: vamos já pô-lo na lista de atalhos.

Ficamos muito tocados pelas suas palavras. Pela minha parte, acho que não as mereço, e não é por modéstia. É que de facto não sou guiado por qualquer intenção didáctica naquilo que escrevo ou nas fotos que publico. Este blogue, directamente, ensina pouco ou nada - mas admito que possa motivar as pessoas a ir aos lugares onde nós vamos (ou a outros) e a tentar ver pelos seus próprios olhos as pequenas ou grandes coisas que nos entusiasmam.