21/06/2008

Jardins japoneses

Foi anunciado em Lisboa, no final de 2004, que iria abrir ao público em Belém no Verão seguinte um jardim japonês composto por 461 cerejeiras; tratava-se de uma iniciativa da Associação de Amizade Portugal-Japão, apoiada pela Câmara Municipal, para celebrar o 461.º aniversário das relações luso-nipónicas. Em Setembro de 2006, porém, o Jornal de Notícias noticiava que a inauguração não tinha ainda data marcada, apesar de as obras da primeira fase estarem concluídas. É que as cerejeiras revelavam dificuldades em vingar, e a afluência de visitantes ao local poderia prejudicá-las. Além disso, como seria exagerado enfiar 461 cerejeiras num terreno de apenas 6000 m^2 (o que daria 13 m^2 de espaço vital para cada árvore), acabaram por ser plantadas só 170. Não sei se alguma vez houve inauguração, mas de 2006 para cá as coisas foram de mal a pior: como contou António Barreto há duas semanas no Público (pode ler a crónica na Sombra Verde), praticamente todas as árvores morreram. Isso mesmo tinha sido denunciado, em Dezembro de 2007, pelo blogue Cidadania LX, que falava ainda do relvado seco e do sistema de rega inoperante. Um único consolo é possível tirar de tamanho fiasco: por não terem chegado a ser plantadas, houve 291 cerejeiras que não morreram.

O erro mais clamoroso do projecto terá sido o local escolhido para as cerejeiras. Em 2001, no Porto, deu-se um caso semelhante: apesar dos avisos em contrário, plantaram-se oliveiras à beira-mar na requalificada rotunda do Castelo do Queijo, e secaram todas em poucos meses. Cada vez mais - em Lisboa, no Porto e no país - os nossos jardins são planeados por quem nada entende de plantas e de jardinagem; o resultado é o desperdício de dinheiro e o desmazelo no espaço público.

Além do projectista ignorante, há outra figura que explica, desta vez pela ausência, o nosso reiterado insucesso: é o jardineiro. Sem ele, não há Câmara Municipal que consiga manter decentemente os jardins ou espaços verdes inaugurados com pompa e circunstância. Nos países onde essa profissão é acarinhada, os jardins, em vez de degenerarem em caricaturas de si próprios, crescem em beleza e maturidade. Gosto de imaginar que esta estátua no Holland Park, em Londres, à qual só falta um carrinho de mão, é uma homenagem aos jardineiros que lá trabalham ou trabalharam, e a quem se deve a beleza serena de lugares como o Jardim de Quioto.



O Jardim de Quioto existe desde 1991. É um simples lago com cascata rodeado por um caminho e por meia-dúzia de árvores: tulipeiro, bétula, pinheiros, áceres arbóreos e arbustivos. Há rochas, maciços de azáleas, uma sebe mista, quatro ou cinco bancos bem espaçados. Cada elemento deste pequeno espaço - seja ele vegetal ou inerte - parece estar no lugar exacto. Mas o jardim que hoje vemos não foi assim criado, completo e imutável, no dia em que se cortou a fita: é um trabalho diário de amor e paciência, feito por quem sabe do seu ofício.




Jardim de Quioto - Holland Park - Londres

10 comentários :

Anónimo disse...

Adoro os posts e fotos que o Paulo nos traz de Inglaterra.

O meu fascínio pelo ofício de jardineiro é bastante antigo e, depois de muita psicanálise regressiva, descobri que o devo, em parte, aos desenhos animados britânicos a que assisti em criança. Por exemplo, recordo-me muito bem de um episódio, já lá vão 20 anos talvez, em que um avô leva a passear uma neta ao jardim do Claude Monet, em Giverny, na Normandia. Os desenhos animados eram muito diferentes dos actuais. Por exemplo, era tudo muito calmo e não havia violência gratuita. Havia, por vezes, música de fundo que era interpretada por instrumentos clássicos. Mesmo não sendo repertório clássico, a música era muito rica estilisticamente. Por exemplo, em desenhos animados sobre contos infantis, o fagote era presença obrigatória. E ainda hoje o associo à fantasia.

Neste episódio, o avô leva tranquilamente a neta a conhecer o jardim. E fazem-no de uma forma tão real que me parecia estar ali com eles. Percorriam o jardim com calma, e avô ia apontando as flores, por vezes lembrava-se de um quadro de Monet sobre aquelas flores, e a neta ia fazendo perguntas... Ainda tentaram levar um "picnic" para piquenicar no jardim-museu, mas a senhora da recepção disse que não era permitido. A neta ficou triste mas o avô, sereno, explicou-lhe a importância das regras e sugeriu uma alternativa com que ambos muito se contentaram.

E assim eram os desenhos animados, no tempo em que havia uma professora Maria Brederode à frente da escolha dos desenhos animados nas estações públicas.

Quando, há 4 anos, desisti de um penoso curso superior, e procurei uma actividade manualmente mais estimulante, eu não hesitei na escolha. Eu queria experimentar o ofício de jardineiro. Eu sempre tinha acalentado tanto carinho pela profissão que resolvi dirigir-me ao I.E.F.P. para procurar formação profissional na área. O que encontrei desanimou-me muito. Os cursos eram dirigidos a pessoas com nível de escolaridade muito baixo, em reciclagem de emprego, com matérias e módulos de formação sem qualquer estímulo ou exigência. Basicamente, o que existe em Portugal é um curso de "Manutenção de Espaços Verdes" (relvados de estádios de futebol incluídos?!) em que ensinam pouco mais do que cortar plátanos pelo tronco, no outono, e a cortar relva. É completamente desanimador.

Informei-me sobre os cursos dados pela Royal Horticultural Society, abertos também a interessados estrangeiros como eu, desde que falem fluentemente a língua. Em Inglaterra, a par de "training opportunities", existe o "Level 2" e o "Level 3" "Certificate in Horticulture", que são a base para qualquer jardineiro. Depois vem o "Diploma in Horticulture", com exames bastante acessíveis para quem tem conhecimentos de Biologia como eu, ao qual se segue o "Master of Horticulture".

Em França, a formação não é tão elevada, mas também existem cursos profissionais ao nível secundário, e depois com especializações em formação contínua.

Ainda interpelei uns jardineiros, que trabalhavam perto de casa, que me disseram que a única formação que tinham tinha sido providenciada pela empresa em que trabalhavam, durante os 3 primeiros meses. Pelo aspecto da poda das roseiras, com cortes descuidados e muitos ramos secos, pareceu-me que aqueles 3 meses não bastariam para se formar um jardineiro. De qualquer forma, eram mais eficientes do que os jardineiros municipais. Pelo menos, não podavam as árvores de forma tão radical.

Neste momento, tenho um trabalho manual na área da construção civil. Muito me agrada trabalhar ao sol e à chuva, sentir os dias liberto de papelada e fora de quatro paredes. E muito gostaria de me tornar jardineiro de ofício, com uma formação sólida, séria, exigente e estimulante. Mas como fazê-lo aqui em Portugal?

Seria o surgimento de uma Sociedade Portuguesa de Horticultura ou de Jardinagem uma solução para a lacuna formativa?

Paulo Araújo disse...

Obrigado, Alexandre.

Como por cá há pouca estima por jardins, também a profissão de jardineiro dificilmente poderia ser valorizada. Qualquer câmara que tenha a sua quota de espaços verdes acha que já cumpriu a sua função; e os munícipes, pouco exigentes por desconhecerem o que é um jardim a sério, enchem o olho com pouco. Por exemplo, os jardins do Palácio de Cristal, no Porto, são um lugar magnífico; mas a jardinagem que lá se pratica (embora tenha melhorado recentemente) é de baixíssimo nível. A excepção que conheço a este panorama de descalabro da jardinagem pública (ou municipal) é Ponte de Lima, onde existem verdadeiros jardins e, presumo, verdadeiros jardineiros. O Parque do Arnado, por exemplo, está bem planeado e exemplarmente mantido. Talvez compense - pelo menos como aprendizagem profissional, embora não monetariamente - ser jardineiro municipal em Ponte de Lima.

Qual é a saída para isso? Dar a volta por cima e, em vez de jardineiros semi-iletrados, termos doutores em jardins? A multiplicação de licenciaturas em arquitectura paisagista poderia ser positiva, mas essa super-estrutura não tem base que a sustente: esses licenciados são hoje em muito maior número do que os jardineiros dignos desse nome. Se eles também fossem jardineiros, seria um modo de valorizar a profissão. Sendo as coisas como são, estão condenados a planear jardins sem futuro em obras que levam a assinatura de outros.

bettips disse...

Bebo as imagens, bebo as palavras.
Desanimam-me ler ensinamentos, em saco roto caídos, enquanto esta política do betão e do papel imperar. Qualquer homem que viva no campo, sabe mais que essas "comissões instaladoras" de jardins. Não percebem que a Natureza salva, o corpo e o espírito!
Abraços, também ao "Alexandre".

Anónimo disse...

Também eu tenho tentado fazer cursos de jardinagem mas,é tudo tão rudimentar que desisti.Chamei um dia uma empresa para me cortar uns ramos de árvores, fazer umas podas e plantar 50 cedros( não sei dizer a que família pertencem).Fiz uma planta do jardim,anotei o que deveriam fazer e o que não deveriam tocar e descansei.Ia tendo um ataque... o meu jardim-já não era o meu jardim.Cortaram uma figueira centenária(assinalada não tocar) podaram uma japoneira que ainda não recuperou e tantas outras asneiras que acabei com esta raça.E paguei por isto 3.6oo euros(isto hà quatro anos)A partir daí eu e uma empregada mulher habituada ao campo e ao amor pelas plantas podamos,plantamos ,mudamos,fazemos experências.Acreditem que está hoje muito mais bonito.Fica o meu jardim para os lados de PONTE DE LIMA,que conheço bem.É um jardim selvagem onde o relvado é uma mistura de ervas e flores bravias que mudam com as estações.Claro ,que não me atrevia a mostrá-lo ao PAULO,mas ao ALEXANDRE deixava-o fazer fazer as experiências que quisesse.A minha ignorância é total mas pelo menos não pago 6o euros dia para cortar o que não devem.Quando vejo as suas imagens tenho vontade de desistir mas depois...não sou capaz porque é o meu jardim.


traço

António Erre disse...

Não queria deixar de comentar dizendo que o jardineiro e a sua equipa são fundamentais para a manutenção dos espaços verdes, os quais não podem ser entregues a grupos de pessoas em trabalho temporário, reunidos aleatoriamente pelos Centros de Emprego.
As câmaras incapazes de gerirem os seus trabalhadores, mas pressionadas a intervir no tecido urbano, neste aspecto em particular - através da criação dos "parques urbanos", contratam, contratam e contratam fora. E fazem mal.
Os de "fora" não têm a menor vocação para a criação de jardins e de beleza natural. Eles apenas almejam uma boa oportunidade de negócio. E podam tristemente, armados em escultores, como se sabe e se vê aquilo que espetam na terra; e relvam com tapetes hectares por esse país fora; e despejam umas pedras tristes e pesadas para ali e para acolá; montam um sistema de rega que trabalha deficientemente pelo que é mais a água que cai fora do que a que rega as plantas.
O meu sobrinho dizia, um destes dias, a propósito do desperdício de água, que se fosse um homem a regar com mangueira aquilo não aconteceria.
Mas ele é só uma criança de 8 anos... Não pensa! Nem percebe nada de economia!
Abraço para todos, especial para o Alexandre e para a sua lição de vida.

Anónimo disse...

Também eu já sonhei largar todas as paredes e passar os dias nessa profissão.
seria de alguma forma, a minha maneira onírica de estar sozinho.
Sou arquitecto e prezo várias passagens que o exercício da arquitectura me proporcionou, mas quantas vezes quando me questionavam sobre o que fazia, e na minha cabeça respondi: "sou jardineiro em Serralves".
Este blog é valioso e seguirei a visitar-lo.
Coragem Alexandre,
"o Homem sonha, a obra nasce"

Anónimo disse...

Eu também queria ser"jardineiro em Serralves"
Mas,ninguém me dá uma palavrinha pelo meu esforço?Ficaram zangados?Nem umas "dicas"?Adoro a NATUREZA e já tenho visto coisas maravilhosas em todo o mundo.Peço desculpa pelas minhas intervenções.

traço

Paulo Araújo disse...

Zangados? Ora essa. Todos os contributos são bem-vindos. O que nem sempre há é tempo para responder. A sua experiência com «empresas de jardinagem» mostra como, nesse campo, é melhor cada um virar-se como pode, já que os «profissionais» pouco sabem do assunto. E, afinal, para quê ter um jardim, se abdicarmos do gosto de cuidarmos nós próprios dele?

Anónimo disse...

Eu era uma dessas "munícipes", pouco exigente por desconhecer o que é um jardim a sério... vim parar aqui por acaso, e este blog mudou a minha forma de pensar. Não percebo nada de jardins, fico feliz se vejo no meio da cidade um pouco de verde para "descansar os olhos" e "respirar ar puro". Mas afinal...Acordei! um belo jardim no meio de uma cidade é tão importante como qualquer outra obra que apelidem de grandiosa! O post do alexandre e as fotos do paulo não me foram indiferentes... tocaram-me como ainda nenhum jardim em Portugal me tocou, talvez por Portugal necessitar das mãos de um Alexandre e de mentes criativas que realmente amam esta ARTE.

Patrícia

Anónimo disse...

Adorei as maravilhosas fotos de jardins japoneses, Paulo voce olhou com a alma e por isso captou o espírito dos jardins.
Faço parte do CEJARTE- Centro de Jardinagem e Arte Foral do Paraná, Localizado em Curitiba-Paraná
cejarte@yahoo.com.br.
O Cejarte tem curso de jardineiro e considero o melhor do Brasil.
Abraços a todos que adoram a natureza. Elisabete - Pitanga-Pr-Brasil